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Entrevista com Tonyy, pioneiro na cena Gótica paulista


Você provavelmente já dançou alguns "clássicos góticos", até tocados por outros DJs, que se tornaram clássicos nas pistas pela pesquisa que o DJ Tonyy fez décadas atrás e pelas suas coletâneas. Mas ele não é apenas DJ, também disseminava informações sobre a cultura e música gótica antes de existir internet, é fundador de uma das bandas fundamentais da darkwave brasileira e muito mais. Vamos saber mais sobre esse grande agitador das trevas na conversa a seguir. @ DJ TONYY no Instagram


1- O que você sempre quis responder e nunca te perguntaram?

Tonyy- É engraçado vc perguntar isso pois eu sempre fiz essa pergunta em minhas entrevistas, mas nunca pensei em respondê-la... :-P  Acho que ninguém nunca me perguntou se eu faria tudo de novo. E a resposta é "SIM".

 

2- Quando o Antonio se transforma no Tonyy, com eco e morcegos no final?

Tonyy- Em 1986, na primeira vez que toquei no finado Madame Satã. O Tony Rato do Anny 44 ia tocar na mesma noite, e o William, um dos proprietários e criador da casa, inventou isso de 2 Y. E ficou...

 

3- Como sendo filho dos anos 60 você a chegada do alternativo no Brasil na fase da abertura da ditadura no início dos anos 80?

Tonyy- Foi incrível, porque eu já havia sido educado por um arquiteto comunista malucão que me fez ler Nietzsche e Marx aos 10 anos de idade, e ouvir música clássica. Aquilo tudo era o que esperávamos.


Tonyy, na época da casa Treibhaus (1989-1991)

 

4- Quando você começou a atividade como DJ? E como produtor de eventos alternativos?

Tonyy- Em 1983 eu já tinha um certo acervo razoável de discos de música alternativa, principalmente de gótico e punk. Ia nas festas de amigos e nunca tocava o que eu gostava. Comecei a levar os meus discos e incomodar sonoramente as pessoas normais... :-P Em 1985 a convite acho que do Walter da London Calling, meu nome apareceu pela primeira vez em um flyer, do Ácido Plástico, casa gótica/punk/eletrônica que ficava ao lado do Carandiru, dentro de uma antiga igreja.



Capa da coletânea que tem o mesmo nome da festa

 

5- Quando você começa o Black Sundays?

Tonyy- Em 1989, na Treibhaus. O nome é uma referência aos encontros dominicais da turminha de Byron, Polidori, os irmãos Shelley e companhia na Villa Diodati. Li em algum lugar que algum deles disse que todos os domingos eram negros, pque no dia seguinte começava mais uma semana de trabalho. Como se algum deles trabalhasse né... :-P


6- Algumas coletâneas que você organizou (Black Sundays, Treibhaus*...) influenciaram várias gerações de DJs no Brasil até hoje, quando alguns hits que ouvimos por aí são descobertas sua. Fale um pouco sobre esse trabalho dessas coletâneas naquela época e o trabalho de divulgação musical.


Tonyy- Era uma época em que apesar de tudo ainda faltavam lançamentos de boas coletâneas. Existia uma cena dita alternativa com Cure, Smiths, Siouxsie, etc que havia chegado quase ao mainstream, e uma outra cena com bandas que ainda eram semidesconhecidas. Peguei algumas dúzias de hits dessa cena bem mais underground, a maioria hits que EU criei graças ao meu trabalho de pesquisa, e resolvi que, modéstia à parte, eu iria lançar coletâneas perfeitas, onde TODAS as músicas eram essenciais. Com isso saíram as Black Sundays I e II, e a Treibhaus Sampler. Gostaria de citar que 90% das faixas foram cedidas gratuitamente pelos artistas como reconhecimento ao meu trabalho divulgando-os aqui. O restante, de quem não consegui contato direto, foi feito depósito em Justiça junto a um escritório de direitos autorais. *Veja o set-list desses CDS no final da entrevista


7- A TreibHaus abre em 1989. Qual foi sua participação nas atividades da casa? A Treibhaus pode ser considerada a primeira casa gótica ou a primeira com programação especificamente e "conscientemente" gótica no Brasil?

Tonyy- Eu era meio que um "sócio informal". Eu já era amigo pessoal muito próximo do Jefferson Ferraro e acompanhei/participei de sua criação desde o começo, cuidando de parte da decoração, programação, etc... Na verdade, foi a segunda casa essencialmente gótica. A primeira foi o Antro, na Aclimação, mas infelizmente ela durou poucos meses devido a desavenças entre os sócios.


Capa da coletânea Treibhaus, com ilustração de capa do artista plástico H. R. Giger

 

8- O Der Kalte Stern é uma referência essencial da Darkwave/Ethereal/Minimal no Brasil dos anos 90 e até hoje. Mas esse não foi seu primeiro projeto musical, nos conte um pouco sobre sua atividade musical.


No Armageddon em 1992


Tonyy- Antes do Kalte aconteceu o Arcane, em parceria com o tecladista Marcelo Degan, onde lançamos apenas uma fita cassete de produção própria, a "Mystères De La Nuit" em 1995. Fizemos meia dúzia de shows por aí. Em 85 rolou uma brincadeira efêmera chamada Divisão II com o Jeff Ferraro, da Treibhaus e mais um amigo que depois se mudou para Portugal. Mas isso nunca saiu "da garagem". Com o Kalte, lançamos um CD pela Eldorado/Cri Du Chat, e mais de uma centena de shows pelo Brasil. O Der Kalte Stern acabou definitivamente em 2018 porque infelizmente a outra metade da banda virou bolsonarista.

 

Capa do álbum do Kalte Stern


9- Se o termo Gothic já vinha sendo usado internacionalmente desde o começo dos anos 80, na sua opinião, por que demorou tanto até ser aceito aqui no Brasil? 

Tonyy- Por ignorância pura da nossa "imprensa especializada". Aconteceu muito esse tipo de bobagem por parte desses cagadores de regras da época.

 

10- O trabalho real de DJ é árduo, inclui pesquisa, descobrir "aquele" hit, depois trabalhá-lo, etc. Na sua experiência, como foi e é conciliar essa atividade com donos de clubes que muitas vezes apostam na repetição do antigo e outras opções conservadoras? Sofreu muito com isso?

Tonyy- Na época nem tanto. Felizmente na maioria das casas o DJ que fazia pesquisas era RESPEITADO, e as pessoas saiam de casa pra descobrir o que esses DJs tinham pra mostrar, além do que tocava nas rádios. Infelizmente isso acabou há muito tempo...


NA CENA LEGBTQI+...



Trio da Trash 80's na Parada LGBTQi+ em 2003, São Paulo

 

11- Você tem um trabalho à cena LGBTQI+ desde o tempo em que a sigla tinha 3 letras (GLS...) ou não ousava dizer seu nome 🙂.  Nos conte um pouco sobre essa trajetória.

Tonyy- Meu primeiro envolvimento direto foi em novembro de 98. Fizemos um show/festa em prol do GAPA (Grupo de Ação e Prevenção contra a AIDS) no Umbral*. Nessa época os soropositivos eram tratados de forma monstruosa por preconceito e falta de informação, e as pessoas sequer abraçavam uma outra que tivesse AIDS. Em 2002 a Trash 80's também foi um marco. Não era uma festa gay, mas eu criei um cartaz que ficava na entrada e dizia: "Preconceito não entra aqui. Nós respeitamos a diversidade sexual". A Trash foi um divisor de águas na noite paulistana, assim como foi o GRIND do finado e querido DJ Pomba. Presávamos por valores esquecidos na noite, e alguns que sequer nunca foram abertamente abordados como o de outro aviso que ficava na porta: "Mão boba não entra aqui. Se vc age assim, vá pra outro lugar". Era um lugar de RESPEITO acima de tudo.

E sem contar que a cena LGBT era muito eclética já desde os anos 80, como no finado (não esse que está aí...) Madame Satã, o verdadeiro e original templo da diversidade na noite paulistana em termos de música, artes e comportamento. TODOS eram iguais lá dentro, mesmo sendo tão diferentes.


Tonyy discotecando na parada LGBTQI+ 2004, São Paulo


Na cena gótica infelizmente os trevosos sempre foram muito enrustidos e discretos, principalmente por medo de toda forma de violência vindas de outras tribos machistas e homofóbicas que circulavam pelos mesmos lugares como skinheads e o pessoal do EBM. O que aliás chega a ser uma piada pois muitos grupos de EBM eles gostam como Leæther Strip, Front 242, Boyd Rice, D.A.F., Throbbing Gristle, Psychic TV, TR/ST, Coil, Psyche, KMFDM, etc são assumidamente gay/queer/LGBT...

Mais recentemente, principalmente após minha saída definitiva da Trash, tenho tocado muito em bares gays no "Vale", aquela região próxima à Vieira De Carvalho/Praça da República, fazendo festas de flashback "fino" dos anos 70, 80 e 90, onde a gay music é muito presente, desde os tempos da DISCO music.

Também organizei durante alguns anos eventos de BDSM focado para esse público, como a Fet Life Party.

 *Umbral: casa gótica paulista fundada em 1998. 

 (Comentário do entrevistador: sendo testemunha da história, após o ano 2000, as ruas ficaram um pouco mais seguras por algumas ações policiais contra grupos específicos, nós trevosos nos sentimos um pouco mais tranquilos para sair do “caixão” e andar na rua montado com visual Gótico, o que seria um risco enorme nos anos 80 e começo dos anos 90. Mas, infelizmente, até hoje ainda existem alguns riscos.)  


Capa do fanzine Enter the Shadows


12- No deserto de nossas almas da era pré internet e pré computadores o zine Enter The Shadows (1992-93) feito totalmente na bricolagem e DIY se destacou por trazer informação de qualidade em português. E, também, por fazer DIY com projeto visual, qualidade gráfica e estética Gótica, um diferencial em relação ao DIY com estética Punk ou de outros estilos.   Houve essa preocupação consciente de diferenciação estética?  

Tonyy- Sobre a estética tive muita preocupação com relação a isso. Eu sempre convivi com arquitetura em casa. Meu pai era maquetista e desenhista, profissões que aprendi em casa e eram meu ganha pão na época. Eu fiz faculdade de arquitetura lá na Belas Artes. Apesar d'eu ser muito "Escola Bauhaus", onde os ensinamentos eram focados na função ser sempre mais importante do que a forma, a estética como forma de identificação pessoal e motivo de atração, pesava tanto quanto o conteúdo. E eu abominava a estética mais "suja" do visual da maioria dos fanzines da época.

Virou referência depois, principalmente a coisa das páginas "emolduradas". Era uma coisa que eu me preocupava sempre era essa coisa de cada matéria ter uma moldura temática.

 

13- Você trabalhou muito tendências que chamamos de ethno, ethereal e derivadas, já há mais 30 anos, lembrando de raízes folk e celtas, em bandas como This Mortal Coil, Enya, OMS, Lycia e o selo norte-americano Projekt, sendo inspiração para muitos de nós que trabalham esses estilos desde então até hoje. Por que há uma tendência a se esquecer destes estilos no Brasil em comparação à sua popularidade na Europa e outros lugares? Esses estilos eram ignorados antes no Brasil?

Tonyy- Eram ignorados pelo público gótico BRASILEIRO, e ainda são, imagino. Eu rebato a pergunta pra você que trabalha nas suas festas com folk e celtic/pagan: no mínimo metade do público que aprecia disso é do metal ou só apreciam essa temática em outras cenas? O gótico brasileiro sempre foi mais atraído pelo lado "rock" ou então coisas mais dark pop e até parentes distantes como EBM e synths em geral, do que por esses estilos mais "densos" e espirituais. Incluo na lista desses "rejeitados" a galera do neoclássico.

Sim, trabalhamos em nossas festas há 20 anos com as linhas ethno/ethereal e medieval/neoclássico (incluindo os crossovers wave/electro, claro). Hoje já se formaram algumas gerações de pessoas góticas brasileiras que apreciam os estilos ethno/etheral e medieval/neoclássico no nosso próprio segmento. 14- Deixe uma mensagem final para as pessoas góticas desse Brasil 🙂. Tonyy- Morcegos, morcegas e morcegues: aproveitem a música, não importa qual seja, se ela toca seu coração ou te diz algo.



Veja abaixo as faixas das 3 coletâneas que formaram o gosto de muita gente no Brasil: Black Sundays Compilation Volume 1 (1993 - vinil - 1000 cópias)


A1 - Opera Multi Steel – Cathedrale  

A2 - Mecano – Robespierre's Re-Marx  

A3 - Collection D'Arnell-Andrea – Anton's Mind's Getting Blind  

A4 - Malaria – Your Turn To Run  

A5 - Xmal Deutschland – Matador

B1 - Das Ich – Gottes Tod  

B2 - Placebo Effect – Galleries Of Pain  

B3 - Danse Macabre – She Believes  

B4 - The Evasion on Stake – Day By Day



Black Sundays Compilation Volume 2 (1995 - CD - 500 cópias)


01 - Freiwillige Selbstkontrolle – Viel Zu Viel  

02 - Aircrash Bureau – Machine

03 - Tribantura – Lack Of Sense 

04 - Vita Noctis – Hade

05 - Opera Multi Steel – Eleanor Rigby

06 - Dead Can Dance – Isabella (Live)

07 - This Mortal Coil – 16 Days

08 - Cranes – Inescapable  

09 - The Cassandra Complex – Penny Century

10 - Malaria! – Your Turn To Run

11 - X Mal Deutschland – Matador

12 - The Three Johns – Lucy In The Rain

13 - Mecano – Robespierre's Re-Marx

14 - Kas Product – Tina Town

15 - Joe Crow – Compulsion

16 - Siouxsie & The Banshees – I Promise


Treibhaus Compilation (1997 - CD - 500 cópias)


01 - Mecano – Links (Vampire's Mix)

02 - Industrial Artz – Move To The Groove (Black Sundays' Mix) 

03 - X Mal Deutschland – Kälbermarsh

04 - Trisomie 21 – The Last Song (Official Bootleg Live Version)

05 - Felt – Primitive Painters

06 - Killing Joke – Love Like Blood (12") 

07 - Fad Gadget – Back To Nature

08 - The Invincible Limit – Push!! (12")

09 - Sexbeat – Sex Beat

10 - Shift – Elektrofixx

11 - Ghost Dance – Heart Full Of Soul (Treibhaus Extended Mix) 

12 - Of A Mesh – Burning Bride

13 - C.C.C.P. – American Soviet (12")









 

 


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