Renovação nas Casas e DJs de 1997 a 2005 na cena Gótica/Darkwave de S. Paulo. Entrevistas com: Luiz Soncini Cid Vale Nagash Washington
Em São Paulo, entre 1997 e 2005 algumas casas, uma nova geração de DJs e produtores de eventos góticos/darkwave renovaram a sonoridade das pistas desse segmento em São Paulo, e boa parte do que ouvimos nas pistas até hoje foi definido por essa geração. Vamos precisar várias e muitas outras entrevistas sobre o período, mas nesta começamos com os produtores e DJs Luiz Soncini, Washington, Cid Vale e Nagash, que marcaram época em casas e projetos como as casas Umbral e Arkham e o projeto RIP na casa Salamandra. Outras casas marcaram essa época, como a casa Deja Vu, na Barra Funda, e as casas Gotham e Thorns, em Pinheiros, abrigando também muitas noites inovadoras. Mas estas e outras ficam para um próximo post. Vamos ver hoje o que nos contam esses quatro DJs e produtores.
Flyer do Umbral, casa gótica paulistana fundada em 1998
LUIZ SONCINI (DJ e Produtor): Quando você começou a frequentar casas góticas/alternativas?
LUIZ: Comecei a ser frequentador em 1993. Por curiosidade e por gostar de bandas como Cocteau Twins, Siouxsie and The Banshees e The Cure fui pela primeira vez no Armageddon. Lá ouvi muitas coisas que não conhecia e fui buscar posteriormente… Passei a ser frequentador e algum tempo depois conheci o Morcegóvia, onde fui DJ pela primeira vez em 1994, numa festa especial.
Que estilos musicais conviviam naquela época?
LUIZ: No Armageddon passava, para além dos clássicos dos anos 80, muita coisa nova e vanguardista. Muito dentro da Dark Wave, Gótico, Synth Pop e E.B.M.. Já no Morcegóvia (antigo Madame Satã) havia uma certa resistência quanto as novidades, mas os hits lançados em outros clubes estavam lá, assim como muitos Eighties, Indies e Guitar Bands.
Quando você começou a montar projetos e em que período você foi DJ ou proprietário/administrador de uma casa Gótica?
LUIZ: Passei a ser DJ residente no Morcegóvia em 1995, “especializado” em Dark Wave, Gótico e Eighties, porém sem perder o ecletismo que é marca indelével dos meus quase 25 anos de biografia.
Estive como residente nas diferentes mudanças de nome daquele casarão – Morcegóvia – The The – Madame Satã, porém com alguns hiatos para desenvolvimento de outros trabalhos e participações em outras casas.
Em 1998 surgiram a “L&L Projects” e o fanzine “The Arc of Descent”, os quais pretendiam divulgar e desenvolver a cena alternativa, entre outras coisas.
Também em 1998 abrimos o icônico “Umbral”, com suas características singulares e ideologias inovadoras, o qual infelizmente não mereceu mais anos de existência.
Como organizador e DJ, qual era o leque de estilos musicais que o público curtia em sua casa/festas?
LUIZ: Como mencionei, os nossos projectos e quase todos que deles faziam parte tinha uma visão inovadora e, apesar de adorar os clássicos e hits, já estávamos um tanto cansados de ouvir sempre as mesmas coisas, noite após noite.
Dito isso, acreditamos ser um dos pioneiros a incluir o Gothic Metal, alguma coisa de Doom e reabrir mais espaço para a Música Eletrónica, principalmente no Umbral.
Como DJ e mesmo dentro do Umbral, sofri algumas pressões e interferências dos donos das casas, organizadores de festas, frequentadores ou alguns sócios. Entretanto não me arrependo minimamente das escolhas e por tentar abrir ainda mais o leque de estilos… Por exemplo quando regressei ao velho Madame Satã e passei a ter os domingos a desenvolver da forma que quisesse, acrescentei mais algumas vertentes como o NeoFolk, Medieval e Future Pop. Apesar do sucesso, algumas pressões voltaram e desta forma dei continuidade dessas noites no Gotham, já em 2001.
Após alguns outros projetos, ser colaborador da revista Elegy Ibérica, participação e organização em tantos eventos e festivais, continuo com a minha carreira (de forma menos ativa) com o ecletismo que é a base e receita para um bom DJ, mas reconhecidamente e nomeadamente destacada dentro dos Estilos Eletrónicos das tendências góticas.
Gostaria de acrescentar mais comentários?
LUIZ: Sigo a ter a esperança que os mais ortodoxos donos, organizadores e frequentadores expandirão suas mentes, aceitaram mais as novidades e deixaram o leque mais aberto aos novos/velhos estilos e a músicas novas na pista de dança. Acredito que isso já esteja a acontecer aos poucos… mas ainda vejo muitos sets, quase iguais há 20 anos, o que é uma pena!
CID VALE (DJ, Escritor e Produtor):
Quando você começou a frequentar casas góticas/alternativas? Que estilos musicais conviviam naquela época?
CID: Em 1993, em casas como Cais e Morcegóvia. Naquela época, era comum ouvir uma mescla bastante eclética no Cais, que tinha sets com indie, guitar bands, pós-punk, etéreo, pop oitentista, rock gótico, synth pop... Já o Morcegóvia tinha uma linha mais dark, com estilos como gothic rock, synth pop, darkwave e pós-punk como carros-chefes.
Quando você começou a montar projetos e em que período você foi DJ ou proprietário/administrador de uma casa Gótica?
CID: No começo de 1998 eu me tornei parte do Projeto Atmosphere, que teve edições no Arkham Asylum e na Thorns. Tornei-me residente da Thorns nesse ano e em 1999 eu passei a ser residente do Umbral, onde eu também era parte da festa Goth Nacht e do Projeto Pandora.
No início de 2000, levamos o Projeto Pandora para o Madame Satã Night Club. Com a abertura do Deja Vu, tornei-me residente da casa, onde fiz festas da Carcasse e o Projeto Bio-Mecânico.
Afastei-me por um tempo para escrever o "Voivode" e retornei depois de alguns meses como residente do Holocausto. Em 2001, passei a fazer parte do R.I.P. no Salamandra e precisei parar de discotecar por ordens médicas em 2004, se não me engano. Em 2010, ignorei essas ordens e voltei como parte da festa PÓS, que passou pelo Boca, pelo pelo K Club, pelo DJ Club e pelo Madame, além de outras casas como Astronete e Anti-Social Club, onde fizemos apenas uma edição em cada.
De 2013-2014 para cá, toco apenas esporadicamente como convidado, mas não consigo aceitar uns 90% dos convites para discotecar por pura falta de tempo.
Como organizador e DJ, qual era o leque de estilos musicais que o público gótico curtia em sua casa/festas?
CID: Quando comecei a discotecar, havia ótimos DJs na ativa, mas pouca variedade. Eu sempre tinha a impressão de que o final da década de 90 iria dar espaço a uma nova leva de bandas como London After Midnight, Switchblade Symphony e Corpus Delicti, entre tantas outras.
Eu colecionava coletâneas góticas e sentia que poderia contribuir disponibilizando algo novo, então me dispus a tocar essas novidades.
As pessoas respondiam muito bem ao synth-pop, aos clássicos dos anos 80, aos grandes hinos da darkwave e da coldwave, mas tinham uma resistência quase inabalável às bandas ativas da época. Tenho muito orgulho de ter feito especiais que acho que jamais haviam sido feitos. Era delicioso ver a expressão das pessoas ao ouvir Sopor Aeternus, Pulcher Femina, Seraphim Shock ou The Frozen Autumn pela primeira vez.
Cheguei a ser insultado algumas vezes em plena pista (a galera do "toca Smiths!" era meio impiedosa), mas normalmente era uma delícia.
Com o tempo, passei a tocar um pouco de dark electro e de industrial, mas cada leva de bandas novas exigia muito trabalho de divulgação extra pra ter alguma aderência (nos sites, fóruns e listas de discussão).
Com insistência, o Projeto Pandora e o R.I.P. se tornaram referência de eventos com música nova, o que anos antes era extremamente mal visto. Creio que isso só foi possível por termos conseguido fomentar novos frequentadores com iniciativas como a Carcasse. Gostaria de acrescentar mais comentários?
CID: Há espaço para muitos estilos musicais dentro desse grande guarda-chuva que é o gótico. Ninguém "patentou" o direito exclusivo de aludir a essa estética, nem mesmo durante o pós-punk. Seja com qual roupagem surja uma nova manifestação do gótico na música, sempre espero que os DJs e o público primem pela qualidade artística, sem radicalismos e sem richas desnecessárias, como houve a cada inovação que observamos entre 97 e 2000 e pouco.
NAGASH (DJ e Produtor)
Quando você começou a frequentar casas góticas/alternativas? Que estilos musicais conviviam naquela época?
NAGASH: Comecei a sair em meados dos anos 90, quando tocava em várias bandas e ia em todos os shows que conseguia – festivais, bandas grandes, cena local ou prestigiando os amigos músicos. Comecei a bater cartão no Black Jack, que era relativamente perto de casa, e ainda neste contexto de bandas de garagem eu fui parar na festa de aniversário da Soul Shadow em 97, que aconteceu num sanatório abandonado na Serra da Cantareira. Nunca tinha ido numa festa gótica e fiquei bastante impressionado. Pouco depois eu conheci o Madame (The The, na época) e já não tinha mais volta...
Nessa época o som era bastante conservador. Os DJs alternavam entre os clássicos dos anos 80 como Sisters, Siouxsie, Joy Division ou The Cure e bandas mais recentes eram raras aparições. As discotecagens eram bem centradas em gothic-rock ou darkwave, e outros estilos como EBM tinham espaço bem delimitado (geralmente um único DJ, no fim da noite).
Quando você começou a montar projetos e em que período você foi DJ ou proprietário/administrador de uma casa Gótica?
NAGASH: Minha primeira discotecagem foi no Umbral, ainda no final dos anos 90, na lendária Goth Nacht. Nessa época eu já organizava o Gothic Art Br com o Cid e colaborava com um monte de projetos, mas foi só com a Carcasse a partir dos anos 2000 que eu comecei a fazer minhas próprias festas – foram exatamente 3 anos da matineé Salamandra RIP e, no mesmo período, 3 edições do Halloween Carcasse e 3 edições da Horror Party Sexta 13 – 333 o número do meio besta hehehe.
Como organizador e DJ, qual era o leque de estilos musicais que o público gótico curtia em sua casa/festas?
O RIP nasceu com uma proposta meio experimental de modernizar a discotecagem e abrir espaço para estilos como death-rock, future-pop e gothic-metal que eram muito populares entre nossos amigos e no Língua Morta (saudoso fórum da Carcasse). No começo foi bem difícil... nós tinhamos o gueto cyber contra os metaleiros e os puristas góticos lamentando tudo aquilo, mas com o tempo as coisas foram se mesclando (tanto da parte do público quanto as próprias bandas) e o convívio ficou mais tranquilo.
Gostaria de acrescentar mais comentários?
Bom, será que consigo dar uma conclusão pra essa conversa? Eu sempre encarei a estética gótica como algo independente e que pode ser expressada ou aplicada à qualquer estilo musical ou artístico. Foi divertido fazer parte dessa evolução na virada do século, e observar o mesmo ritual de renascimento e morte com os Emos e depois com a Witch-House. Acho que essa versatilidade me fascina até hoje, ou não estaria tão ligado no gótico-cholo do Prayers, na releitura Turca do She Past Away ou o retrô 8bit da Lena Raine. Goth is Undead ;)
Setlists e fotos do RIP ainda podem ser vistos no site antigo do evento.
É impressionante averiguar como os sets são diversificados e atualizados!
WASHINGTON (DJ e Produtor):
Quando você começou a frequentar casas góticas/alternativas? Que estilos musicais conviviam naquela época?
WASHINGTON: Meu primeiro contato foi com os primeiros darks de SP, eles curtiam há tempos pois EU tinha 15 anos e eles na faixa de 30 anos, inclusive alguns já com cabelos brancos. E também foi meu primeiro contato com discotecagem alternativa, eles chegaram na festa com vários vinis como Siouxsie, Sisters, Joy, e algo de punk rock e ai achei q eles iam querer dominar a festa, mas jogaram os vinis na minha mão e me deixaram discotecar. A partir daí, comecei a discotecar em festas caseiras, como aniversarios, festas de 15 anos, casamentos, mas todos de uma galera que curtia alternativo.
A primeira casa que eu fui foi o Espaço Retrô (o primeiro) e ali eu vi que era esse meu estilo de vida, foi onde me encontrei e me identifiquei. Em seguida fui no primeiro Madame que ainda era voltado para o punk rock e depois conheci o Acido Plástico e ali vi pela única vez um show do Cabine C.
Quando você começou a montar projetos e em que período você foi DJ ou proprietário/administrador de uma casa Gótica?
WASHINGTON: Comecei montar projetos em 1994, fui proprietário do Arkham entre 1997/1999. Em 1994 eu, o Giva e o Floyd montamos o projeto "Templo de Atenas" que era em Guarulhos em um casarão que tinha sido um hospício, onde realizamos 3 festas e uma delas teve cobertura da MTV e do jornal "Estado de SP", com um público de mais de 1000 pessoas. E lá tinha de tudo, darks, góticos, punks, ebm e até carecas... quase rolou treta mas conseguimos contornar a situação.
Com minha saída do Projeto Templo de Atenas, montei o projeto Arkham com o Cartney e fizemos festa na casa American Graffiti e algumas festas esporádicas no segundo Espaço Retrô, e no The The (ex- Madame Satã) aos domingos ate que em 1997 resolvemos abrir a casa Arkham na Penha em parceria com o Celinho, quando eu saí do meu trabalho no banco. Aí resolvi realizar este sonho. Fizemos tão sem pretenção que não sabíamos que ia virar uma referência na noite underground. Durou quase 2 anos, não prosseguimos, por causa dos obstáculos da prefeitura de SP.
Antes do montar o Arkham fui residente no Morcegóvia, The The e Madame Satã. Meses depois de recluso em casa, fui ao Madame só passear e o Mauricio (dono na época) me convidou pra retornar como dj residente.
Em 2004 ainda era residente no Madame Satã e fui convidado pela Flávia Flanshaid pra participar de um projeto novo chamado "TDV" (Theatro dos Vampiros) no qual fiquei nos 6 anos que durou esse projeto (2004-2010) e mais 5 anos no Projeto Absinthe (2010-2015).
Como organizador e DJ, qual era o leque de estilos musicais que o público gótico curtia em sua casa/festas?
WASHINGTON: Ethereal/ Darkwave, Classicos 80, gothic rock, EBM, guitar, flash house, rock nacional, synth pop...
Conte das coletâneas que vocês lançaram no final dos anos 90...
WASHINGTON: Coletâneas: são 3, a primeira em 1997, a segunda 2000 (nao tenho certeza) e a terceira em 2003. Todas com faixas de ethereal, darkwave, EBM, gothic rock e synthpop.
NOTA: A casa chamada Arkhan é oficialmente citada como Arkhan Asylum, referência a Graphic Novel do Batman X Coringa ilustrada por Dave McKean e escrita por Grant Morrison.
Leia também na Gothic Station 1 entrevista com Alex Twin, agitador cultural da cena gótica no Brasil, produtor de fetivais, fundador da Wave Records, e de bandas como Individual Industry, Pecadores e outras
Contracapas de duas das Coletâneas Arkhan:
Capa da coletânea e foto do bar da casa Arkhan Asylum:
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Se você tiver fotos do ambiente das casas Umbral, Arkhan, Gotham, Deja-Vu, Thorns, etc. por favor entre em contato pelo e-mail: henrique_kipper@yahoo.com
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