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MITO  10: “O VERDADEIRO GÓTICO É SÓ O ESTILO ANOS 80”

MITO 10: “O VERDADEIRO GÓTICO É SÓ O ESTILO ANOS 80” ou "O DARK É O VERDADEIRO GÓTICO"


REUMO: Essa frase faz tão pouco sentido quanto dizer que só os brasileiros e estilos do século XVIII são verdadeiramente brasileiros...


Claro, especialmente em São Paulo os rótulos "80's", "underground" ou "alternativo" e até "dark" são filões mais comerciais e mais aceitáveis socialmente do que "gótico". O mesmo ocorre em outros lugares.


Joy Division, New Order, The Smiths, The Cure, Depeche Mode & Cia na pista são garantias de casa cheia. Já o rótulo gótico poderia afastar a maior parte do público dessas bandas e similares, por isso muitos o evitam.

Mas não se resume a uma questão de rótulos apenas: são de fato classificações que apontam para conteúdos e segmentos de público: gótico é um segmento pequeno e especializado, com uma tradição enorme e variada de 40 anos, (veja um pouco no link) desconhecida do grande público. Já "80's", pelo seus sentido mais amplos e indefinido, pode ser facilmente aplicado a muita coisa bastante conhecida, que foi mainstream no passado ou atual que se parece muito.


Além disso, em muitos casos, as questões de visuais, valores e comportamentos ligados a subcultura gótica não são aceitas por públicos mais conservadores, e isso não é bom para os negócio$. Mais um motivo pelo qual nomes mais genéricos são usados.


E, principalmente, Gótico não é um mero revivalismo, não só "um estilo dos 80". O Gótico dEsde o final dos anos 80, anos 90 e no século XXI tem uma vasta tradição que não se resume aos estilos musicais conhecidos como "dos anos 80".


“Dark” foi um nome criado pela imprensa brasileira para classificar o conjunto post-punk/new-wave/no wave/punk que chegava misturado e atrasado ao Brasil. Neste aspecto o Dark brasileiro seria algo aproximado ao post-punk/new wave internacional (lembrando que o rótulo dark só foi usado neste sentido aqui). Leia um texto completo sobre a diferença GÓTICO X DARK aqui. OITENTISMO E OUTROS MITOS



É ótimo termos especializações, é algo que surge naturalmente com a durabilidade das subculturas ou cenas musicais. Mas uma especialização que busca apagar todas as outras vertentes é um processo de exclusão: imagine um movimento de Rockers que queira dizer que o único rock realmente rock é o dos anos 50... seria chamado de insano, não?

Claro que há tradições históricas e desenvolvimentos coerentes, mas é importante não confundir coerência com revivalismo. Coerência significa algo novo e diferente que significa o mesmo em novo contexto. Revivalismo é repetição do mesmo. Como os bailes de bolero, rock 50’s ou valsa que ainda existem até hoje: são segmentos revivalistas, não subculturas vivas.

Já mostramos em diversos textos que o gótico já nos anos 80 incluiu muitas influências que vão além do post-punk. Bandas de gothic rock góticas incluíram os mais diversos estilos de forma criativa em uma grande renovação nos anos 1990.


Em uma realidade em que as pessoas estão recebendo o tempo todo informação atualizada sobre os desenvolvimentos atuais da subcultura gótica a nível global e local, tentar se fixar em um modelo restritivo e do século passado só tem sentido junto com os demais mitos que comentamos, com o objetivo de manter uma cena diminuta de modelo ultrapassado.


Nenhum destes mitos age sozinho: eles funcionam em conjunto, como um sistema de auto-alienação que destrói possibilidades de desenvolvimentos culturais para uma cena gótica no Brasil, apesar de termos todos os recursos materiais e culturais para isso. VOLTAR PARA O TEXTO "10 MITOS QUE PREJUDICAM A CENA GÓTICA BRASILEIRA"

O APAGAMENTO DO GÓTICO PELA MÍDIA

Esse mito aparece também como "gótico é só post-punk" ou "gótico é outro nome do dark".

Não podemos reduzir a tradição musical gótica a post-punk, isso exclui a maior parte dos góticos, inclusive os com mais tempo de vivência na cena gótica e amputaria partes importantes de nossa história. Veja um pouquinho dessa história aqui.

Essa redução foi interessante só para a crítica musical mainstream, que ignorou a evolução do estilo e música góticos já na segunda metade dos anos 1980 e outros desenvolvimentos paralelos e posteriores.


O PROBLEMA DO OITENTISMO ou 40 ANOS DE APAGAMENTO DO GÓTICO NO BRASIL:

O oitentismo tem sido usado para apagar o estilo gótico no Brasil desde... os anos 80 até hoje, em cada época com um nome e desculpas diferentes, mas sempre com o mesmo objetivo.

As vezes por conveniência comercial, outras por conservadorismo, muitas vezes por uma convergência de ambos.

Simples: é mais fácil ganhar dinheiro se você criar um zoológico com o nome de gótico que é apresentado como apenas “80’s de preto”, uma versão que periodicamente tem um revival no mainstream, como vemos novamente nos últimos anos.

Conservadorismo porque a subcultura gótica tem características “socialmente incômodas” mais difícil de serem deglutidas em uma sociedade conservadora como a brasileira do que as características disruptivas do metal, punk ou mesmo o hip-hop, que são questionadores em áreas importantes mais já mais aceitáveis hoje, como a questão social ou a questão racial. Porém as questões como papéis de gênero, morte x sentido da vida e aceitação de lados da vida humana banidos pelo capitalismo solar do século XXI, continuam fazendo o gótico sendo algo ao mesmo tempo mais difícil de aceitar e, logo, de vender.

Ao mesmo tempo, no Brasil os anos 80 nunca saíram de moda. Por isso é comercialmente muito mais fácil e lucrativo fazer uma festa “anos 80, ou flash ou alternativo anos 80” do que uma festa gótica e darkwave coerente. Também rótulos como “alternativo” e “underground”, por serem genéricos, são muito usados como grifes comerciais, que atraem público não alternativo e curiosos para fazer “turismo” no “zoo gótico” com modelos diluídos e sem caráter definido, que acaba servindo como apagamento social de subculturas como a gótica e, muitas vezes, objetificação das mulheres góticas fora da cena gótica: o visual gótico feminino é “aceito” e comercializado, mas não o visual gótico masculino. Assim sugiram as estratégias comerciais de “gótico de bom gosto” (= homem gótico com visual heteronormativo conservador + gótica com visual Femme fatale objetificado).

Assim, desde os anos 80 até hoje, a grife “80’s” continua sendo uma marca comercialmente forte em São Paulo e outras grandes cidades do Brasil. Festas “80’s” são uma garantia comercial por dois motivos principais:

-como foi o mainstream dos anos 80, tem o recall de um público que é mais velho ou saudosista, principalmente entre o público não-alternativo, que é a maioria.

-e em segundo lugar, porque boa parte do que era música alternativa nos anos 80 foi absorvido no mainstream posteriormente, veja-se os vários revivals 80’s. Assim, o saudosismo 80’s e sua trilha sonora tem sido muito explorado comercialmente nos últimos 10 anos, por exemplo por séries e filmes como Stranger Things, Guardiões da Galáxia, American Horror Story, entre outros. Também na música pop, o revival post-punk e low fi synth chegou ao mainstream, tanto na década de 00 como agora na década de 20.

Fora isso, até hoje a mídia musical nacional insiste em usar gótico como sinônimo de estilos 80’s (post-punk e new wave principalmente), como se o estilo tivesse acabado nos anos 80, ignorando todos os desenvolvimentos dos estilos pós 1990 (e muitas vezes até boa parte dos anos 80, mais especificamente a parte gótica).

Da mesma forma que setores da crítica musical apagaram a história da música dos anos 70, criando mito do punk 77 como “origem de tudo” (o crítico musical Simon Reynolds desfez essa “fake News” no seu livro Rip It Up and Start Again sobre a história do post-punk) também apagaram e ignoraram o desenvolvimento das vertentes góticas após 1989, e muitas vezes, em casos mais radicais, até mesmo depois de 1985.

Dos 40 anos de tradição histórica da subcultura gótica, 30 anos são geralmente ignorados e muitas vertentes são ignoradas. As vezes mais, como no atual “80’s” revival que exclui até mesmo desenvolvimentos da segunda metade dos anos 80.

Mesmo que boa parte dos góticos gostem também de anos 80, góticos representam uma parcela ínfima do público total do estilo 80’s. A maior parte dos fãs de 80’s não tem ligação com nenhuma subcultura alternativa. Aí está a pegadinha comercial: as festas anos 80 recebem rótulos genéricos de “alternativo” ou “underground” como forma de fazer uma versão palatável e comercial com grife de “diferentão”.

O problema – para os góticos- é quando é feita uma festa 80’s e ela é chamada de gótica... aí vemos a incoerência de ver góticos serem discriminados (por público de outras subculturas ou turistas do mainstream) em uma festa com nome de “gótica”. Mas geralmente são usados rótulos mais comercialmente aceitáveis como “underground” ou “alternativo”.

O argumento conservador “é só música e(ou) visual” serve para completar esse quadro de apagamento subcultural: fragmentar os elementos culturais é a estrutura do mercado de consumo e descarte, o oposto dos estilos subculturais.

Assim, o segundo problema é que ambientes “alternativos” ou “underground” nesse sentido acabam sendo uma miscelânea conservadora, que atrai muitos turistas para os quais góticos (e outros alternativos de verdade) acabam sendo o equivalente de “animais do zoo”, “objeto de piada”, ou coisa pior, como a objetificação das góticas ou homofobia contra góticos já deixou clara ao longo da história.

Assim, temos uma multidão de eventos “underground nights”, “alternative 80’s”, “dark XYZ”, “underground isso e aquilo”, e outras combinações aleatórias de nomes que intencionalmente não significam nada.

A crítica e mídia musical tradicional reforça esses preconceitos, reduzindo o Gótico a post-punk, anos 80 ou post-punk revival. Cria-se assim uma versão pasteurizada e de “bom gosto” do Gótico, que é aceitável para qualquer um... mas que exclui a maioria dos góticos e da tradição histórica e musical da subcultura gótica desde a segunda metade dos anos 80, anos 90 e século XXI.

Vamos detalhar um pouco mais essas questões abaixo.

O PROBLEMA histórico DO OITENTISMO NO BRASIL

Nos anos 1990 muitos bons DJs da cena Gótica/Darkwave já se preocupavam com o problema do “oitentismo”, tentando fazer projetos especiais em clubes, para atualizar a cena nacional. Mas o comercialismo de alguns donos de casas noturna, ligado a “mitos” e fake-news difundidos na cena Brasileira, fez com que a cena Gótica chegasse ao século XXI praticamente nos anos 80, explorando o filão “80’s revival” ou “flash 80’s”.

Há muito tempo no Brasil donos de clubes noturnos insistem com DJs para manterem as discotecagens dentro dos estilos anos 80 ou revival 80’s, pois é mais interessante comercialmente. Na prática, esses rótulos servem como senha para apelar pra público não alternativo de acordo com a moda do momento ou pelo eterno revival, na maioria das vezes tendo servido no Brasil para apagar o estilo gótico e seus desenvolvimentos nos últimos 30 anos ou mais.

Assim, os nomes “underground” ou “alternativo” são usados muitas vezes apenas como “marcas de grife” para turistas não góticos, ou formas de não se comprometer.

O 80’s ETERNO

Gótico não se resume a 80’s, revival, metal ou post-punk. O oportunismo comercial fez essas tendências serem usadas várias vezes para apagar o gótico, mas usando rótulos como “alternativo” ou “underground”... mas vamos aos “anos 80” da questão, que o problema principal:

- a permanência do “oitentismo” ajudou muito a difusão de alguns mitos equivocados sobre o gótico no Brasil

Um problema? Havia toda uma linha evolutiva coerente do gótico e darkwave, desde o final dos anos 80 até o começo do século 21 que estava sendo apagada e esquecida, e novos subestilos baseados em especializações das influências originais tinham surgido. Outro problema? Essa tese (de que o gótico era só o do começo dos anos 80) ajuda em outro equívoco, esse reforçado pela mídia musical mainstream: que gótico é sinônimo de post-punk.

Isso é uma distorção não só da história do post punk (a maiora das bandas post punk não eram góticas) e do gótico (o gótico tinha e tem uma variedade de influências diversas além do post punk, paralelas ou anteriores ao post-punk).

Essa é outra forma de pasteurização do gótico, pois depois dos anos 80 a sonoridade post-punk passou a ser mais aceita, e é padrão em cenas como a indie e hipster. De fato, periodicamente há uma leva de bandas post-punk revival nessas cenas, que não passam nem perto do alternativo ou da cena gótica.

Assim, equalizar gótico e post-punk é apenas um apagamento da tradição e história musical da subcultura gótica: nem nos anos 80 o gótico e darkwave se resumiram a post-punk.

DO MAINSTREAM NO MEIO DOS ANOS 80 AO APAGAMENTO NOS ANOS 90

No final dos anos 1990 já se discutia na cena gótica brasileira o problema da permanência do “oitentismo” na cena gótica brasileira. Alguns DJs tentavam com esforço fazer um trabalho de atualização, mas a “lacuna e atraso informacional”, em uma era em que a internet ainda engatinhava no Brasil, tinha crescido muito desde o final dos anos 80. Motivos? Há os motivos internos e os externos.

No final dos anos 80 a mídia mainstream abandonou o estilo gótico e foi atrás de novidades. Se nos anos 80 os principais artista góticos podiam ser ouvidos no rádio ou vistos em revistas de música, com seus álbuns vendendo bem por grandes gravadoras, isso acabou no final dos 80. Depois, nos anos 90, em alguns países como Alemanha e norte da Europa, Inglaterra e EUA, em graus diferentes, a cena gótica desenvolveu sua própria mídia e rede comercial independendes, com revistas, selos e festivas próprios. Por exemplo, é no começo dos anos 90 que emerge o WGT na Alemanha.

Nos anos 90, a cena gótica internacional começa a ter seus próprios festivais e mídia própria, exatamente quando o estilo passa a ser ignorado pela mídia musical mainstream, que difundiu a “fake News" de que o gótico tinha acabado nos anos 80.

Mas na mesma época o Brasil ficava aferrado aos anos 80, por vários motivos.

No Brasil dos anos 90, o governo brasileiro tentou controlar o começo da internet, o que atrasou sua difusão. Enquanto isso, a internet se tornou funcional mais cedo em outros países, se tornando um instrumento forte de coesão da subcultura gótica já no final dos anos 90. Por isso nessa época temos o começo de um ressurgimento e crescimento da cena gótica internacional.

Já no Brasil, na mesma época (segunda metade dos anos 90), poucos tinham internet funcional, e o oitentismo continuava forte, apesar de alguns lutarem pela atualização.

Assim, chegamos aos anos 2000 ainda muito oitentistas. Logo o mito de que “o gótico acabou nos anos 80” ajudaria a moda Gothic-Metal no seu discurso de “novo gótico”.

A HIERARQUIA e o CONSERVADORISMO DO UNDERGROUND

Mas para entender os apagamentos sociais do Gótico, é preciso entender como o rótulo underground é usado como forma de apagar a HIERARQUIA que existe entre diversas subculturas do “underground”, e que algumas estão mais próximas do socialmente aceitável do que outras (tanto no estilo quanto na música ou comportamento).

Colocar o underground como uma coisa só é uma violência normatizadora que apaga as diferenças dos grupos e favor de um modelo pasteurizado e “socialmente aceitável” e “de bom gosto”.

Geralmente o estilo gótico recebe os rótulos de “exagerado” ou “de mau gosto” ou “ultrapassado”, baseado em vários estereótipos e desinformações. Porém exagero faz parte do estilo gótico em todas as suas manifestações artísticas. Outros rótulos pejorativos e preconceituosos são usados, como já comentamos, mesmo por outras subculturas “underground”.

Comentamos sobre o masculinismo no underground e história do rock nesse outro texto.

Como o Brasil ainda é um país socialmente MUITO conservador em pautas sociais, especialmente as relacionadas a gênero, são melhor aceitas subculturas com pautas econômicas ou que reforçam comportamentos sociais estabelecidos, como a “violência juvenil”.

Também outras subculturas, que tem discursos estéticos mais tradicionais, racistas, ou por outro lado heteronormativos e masculinistas, são mais aceitáveis pelos “turistas não alternativos” atraídos por rótulos como “alternativo” ou “underground”. Ou, como se diz hipocritamente, pelo discurso “só pela música”...

Então sem dúvida devemos preservar também a boa música dos anos 80 (que é 25% da nossa tradição), mas a estrutura de cena underground daquela época já devia ter sido descartada há muito tempo.

Dito isso, precisamos preservar também os outros 75% da nossa tradição (por exemplo, de 1985 a 2021, ao longo de 4 décadas), mas devemos esquecer as estruturas e modelos conservadores do underground do século passado que são inaceitáveis hoje.




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