top of page

TRIBAL e ETHNO na Subcultura GÓTICA


Artigo de Henrique A. Kipper (2022-2023)


TRIBAL E ETHNO NA SUBCULTURA GÓTICA



A história do intercâmbio da música alternativa, pop e rock com as músicas étnicas e folclóricas do mundo é enorme e antiga, aqui vamos comentar apenas as origens de algumas tendências dentro do repertório da subcultura gótica. Entre nós são populares as batidas tribais e muitos ritmos étnicos, vamos ver como isso começou. 1. A CONEXÃO AFRICANA


A batida chamada “Burundi beat”, que se popularizou no pop com bandas como Adam And The Ants, Bow Wow Wow e outras bandas do período 1978-1982 tem uma longa história anterior. Já em 1975 eles tinham participado do álbum de Joni Mitchell 1975 “The Hissing of Summer Lawns.” https://www.youtube.com/watch?v=vF2_1Jfgo4I


Mas o album original que mostrou a música desses percussionistas na Europa foi a gravação de 1968 ''Musique du Burundi,'' lançada pelo selo francês Ocora. No começo dos anos 70, Mike Steiphenson lançou algo que seria chamado hoje de “single remix” baseado nessas gravações com acréscimo de sintetizadores e guitarras, e vendeu 125 mil cópias. Cerca de 10 anos depois, em 1981, o baterista da banda Visage, Rusty Egan, lançou com seu produtor uma versão mais dançante que se tornou um hit de pista, lançado também nos EUA: https://www.youtube.com/watch?v=nZ6yXbD2Ry0


Mas vários desenvolvimentos anteriores e paralelos tinham influência semelhante. Como Brian Eno comentou: “Existiram três grandes batidas nos anos 70: o Afrobeat de Fela Kuti, o Funk de de James Brown e o Neu!-Beat de Klaus Dinger”. Este último se refere à batida típica Motorik, do Krautrock. Eno trabalhou no álbum de David Byrne de 1981, “My Life in the Bush of Ghosts” em que samplearam vocais e ritmos africanos e do oriente médio e elementos de música eletrônica. https://open.spotify.com/album/1pZ2sRK1RhRWvpequeQqQa


Antes, no final de 1980, havia sido lançado “King of the Wild Frontier”, do Adam and The Ants, que se tornou o álbum mais vendido de 1981 no Reino Unido, explorando o “Burundi Beat” como base. A banda passou a usar essa base e mudar seu estilo por sugestão do seu produtor, o famigerado Malcolm McLaren. Os Ants brincam com suingues funky e latinos também. Ouça a versão remasterizada aqui: https://open.spotify.com/album/6Ery60n0SHDiIG18DMi5cV


McLaren conspiraria outro grupo, a partir de membros dos Ants sem Adam, (que reagiu com a carreira solo comentada acima): o Bow Wow Wow. https://open.spotify.com/album/3gTAnUMTCOtCHp0zb4gdSF


Podemos ouvir essa batida também na faixa do The Slits, como EarthBeat. https://www.youtube.com/watch?v=SqiFYcKEhxs O baterista do Slits era Budgie, que depois entrou no Siouxsie and The Banshees e formou com Siouxsie o The Creatures (formada em 1981), que explora toda uma diversidade de experimentações com ritmos do mundo, e em 1981 os Banshees lançam “Juju”. Ouça uma coletânea do The Creatures aqui: https://open.spotify.com/album/5EuJn55QHhPT2jNlfyunej

Mantendo o estilo, anos mais tarde, Siouxsie e Budgie laçaram o álbum “Hái” do The Creatures, em 2003, com o percussionista estilo Kodo, Leonard Eto.


Thomas Brooman e Peter Gabriel organizaram o primeiro WOMAD (World of Music, Arts and Dance) em 1982, que ajudou a popularizar a World Music. O resto é história.

Em 1981, o jornalista Robert Palmer do The New York Times descreveu essa tendência musical como 'THE NEW TRIBALISM', ou “o novo tribalismo”.

2. DEAD CAN DANCE, A CONEXÃO ORIENTAL e EUROPA ANTIGA


Mas outras influências “tribais” e “world” foram acrescentadas a essa tendência. A busca pela música não europeia se somou a busca pela música europeia anterior a modernidade, em um saudosismo de vários paraísos perdidos tendo em comum a rejeição pelo ocidente moderno.

Apesar de ser na origem uma visão colonialista expressa no Romantismo, o oriente (e mesmo os latinos europeus e americanos) é visto como “o exótico” e misterioso e, mesmo depois de encerrado o período colonial, essa ideia foi mantida posteriormente por quem visava apresentar uma visão da arte humana como global e progressista.


Lisa Gerrard cresceu em um bairro multiétnico de Melbourne, Austrália, tendo contato com música árabe, grega, irlandesa, turca etc. Ao se mudar para Londres, junto com Brendan Perry, em 1982, seu grupo Dead Can Dance vai trazer todas essas batidas e melodias de diversas culturas misturadas à uma sensibilidade moderna e um vocal com treinamento lírico e clássico. O Dead Can Dance traz suas inspirações multiculturais desde o primeiro álbum nos anos 80, mas o álbum Spirit Chaser (1996) se concentra mais nesse aspecto: https://open.spotify.com/album/3tjN8QxNdGiFoLVZyXpntl Ao mesmo tempo o Dead Can Dance fazia uma grande pesquisa musical de música antiga europeia. Na mesma época o grupo Estampie é formado na Alemanha (1985) com um projeto de recriar música antiga da Europa, grupo que conta com integrantes de grupos que conhecemos por outras experiências: Ernest Horn do Deine Lakaien e Helium Vola, além de Sigrid Hausen (aka Syrah) e Michael Popp, hoje também no Qntal. Helium Vola e Qntal fizeram o cruzamento da música antiga e neoclássica com a eletrônica. Estampie https://open.spotify.com/artist/0VzFYfDDwb79K5TVr5z0JZ Qntal https://open.spotify.com/artist/2pDQ9BUHNAf4yr3REAiZM1 Helium Vola https://open.spotify.com/artist/78Cmu3nKUs6Sgud4LU1AwD


Outra influência foi a popularidade da música folk irlandesa nos anos 70, com o sucesso do grupo Clannad, da família de Enya, que depois teria grande sucesso em carreira solo. Clannad https://open.spotify.com/artist/0BkAYxgwF9VQiid4wI07yJ

Experiências folk de grupos como Popol Vuh, além de Nico são importantes, e essa a lista de covers do This Mortal Coil é um manual do folk dos anos 60 e início dos anos 70 mostra claramente isso. Na França, entre 1979 e 83, Franck López participava do Avaric, grupo de música antiga/folk francesa. Com o fim do grupo, em 1983, esses elementos de música antiga e medieval seriam misturados com a new wave e synth, gerando o grupo Opera Multi Steel, um dos principais grupos a estabelecer padrões do que chamaríamos de Neoclassical Darkwave, também com seu projeto paralelo Collection D’Arnell Andrea. Avaric (1981): https://www.youtube.com/watch?v=6hu59vVReT4

Opera Multi Steel (álbum Cathedrale de 1985 remasterizado): https://open.spotify.com/album/4fXmgy8l2oFBqeiYnevSyD


O uso de música étnica/folk em grupos como The Creatures, Dead Can Dance e Opera Multi Steel, e ainda Corvus Corax e Estampie, e a presença de percussões “tribais” de origem africana, oriental o latina estabeleceu um padrão desenvolvimentos e novos crossovers posteriores: no final dos anos 80 vimos o surgimentos de pesquisas ethno mais conscientes e mistura de ethno e música antiga e medieval com música eletrônica, trazendo novos desenvolvimentos nos anos 90 com grupos como Qntal, Helium Vola, Collide que geraram uma vertente de bandas.


A partir dos anos 90 vimos muitas bandas novas evoluírem com essas tendências: Love is Colder Than Death, Trobar de Morte, Faith and The Muse, This Ascension e muitas outras que você pode ouvir aqui: https://open.spotify.com/playlist/2GYyrpJVHTDcpeJ6W1gynW e aqui https://www.gothicstation.com.br/post-unico/playlists-ethereal-ethno-wave

3. TRADIÇÃO FEMININA E A BELLYDANCE

Não só as músicas com percussão e vocais árabes e orientais, mas a ligação do Gótico com a simbologia feminina acabou também sendo outra interface de contato com tradições matriarcais e suas respectivas sonoridades. Depois das batidas africanas e europeias “antigas”, o tribal ligados às tradições Nórdicas acabou sendo incorporado também. Dead Can Dance- Isabella https://www.youtube.com/watch?v=9iyKQ979Lqc


Em uma subcultura “hiper-feminina” (D. Brill) a aproximação de góticos que apreciavam música de matriz ethno e oriental com popularização da BellyDance alternativa no final dos anos 90 foi natural, gerando uma febre “Tribal-Goth-Bellydance” do começo dos anos 2000, que permaneceu desde então como parte do repertório também visual dos góticos e góticas, além do musical que já era presente antes.


É preciso ter claro que, da mesma forma que outros elementos apropriados pela subcultura gótica que a constituem, também todas as tendências tribais continuam a existir também em seus contextos e culturas de origem, separadamente.


Para ler mais sobre a história do Tribal Fusion Bellydance acesse o texto de Melissa Souza na Gothic Station 4 AQUI.:

Junto com a incorporação musical e temática veio todo o pacote cultural, então vimos ao longo das décadas a formação de crossovers visuais do estilo gótico com visuais étnicos de diversas origens, como o árabe, egípcio, nórdico, celta, balcânico, entre outros. Esses elementos acabaram se espalhando por outras tendências visuais góticas.


The Creatures


4. NO BRASIL

Também no Brasil muitos artistas exploraram e exploram essas tendências, ouça alguns aqui: https://www.gothicstation.com.br/post-unico/ethereal-ethno-neoclassical-brasil E já nos 90: Kalte Stern (1997): https://derkaltestern.bandcamp.com/album/doppelg-nger Back Long Arch (1996): https://backlongarch.bandcamp.com/album/resurrection


5. CONTEXTO HISTÓRICO DOS ANOS 70 E 80 As nomenclaturas mudam ao longo das décadas, mas as batidas e ritmos que chamamos de “tribal” ou “folk” entraram no repertório do que depois seria chamado de post-punk e gótico ainda na virada dos anos 70 para os anos 80. E as estéticas musicais e visuais vieram juntas.

O conceito de gótico tem em seus conceitos fundamentais os elementos femininos, multi-culturais e uma olhar para além do que é oferecido como padrão no presente, além de então é comum nossa bricolagem subcultural assimilar elementos que permitem o reforço desse discurso. O visual pseudo-egípcio de Siouxsie e a simbologia egípcia do ankh, a inclusão de elementos ethno e tribais na música, entre outros, iniciou um ramo que posteriormente floresceu em diversas novas incorporações e ressignificações ao repertório da subcultura gótica.

H. A. Kipper, 2022/2023




Obras pesquisadas e outras Referências deste texto: Livros: - Rip it Up and Start Again: Postpunk 1978-1984 - Simon Reynolds - Are We Not New Wave?: Modern Pop at the Turn of the 1980s - Theodore Cateforis

Matérias:

THE POP LIFE; LATEST BRITISH INVASION: 'THE NEW TRIBALISM' - BY Robert Palmer- Nov. 25, 1981 https://www.nytimes.com/1981/11/25/arts/the-pop-life-latest-british-invasion-the-new-tribalism.html



bottom of page