Abaixo coletamos trechos de entrevistas e dos livros de Lol Tolhurst (co-fundador do The Cure) e de John Robb (do The Membranes e fundador da revista musical e site Louder Than War) sobre a questão do apagamento e desprezo da imprensa Inglesa dos anos 80 pelo estilo e subcultura Gótica, atitude copiada pela imprensa brasileira. Essa atitude em relação Gótico é clara nas publicações da época, mas só depois dos anos 2000 essa distorção histórica tem sido denunciada.
Em 2023 Lol Tolhurst lançou seu livro "Goth: a History" e John Robb lançou "The art of darkness: The history of goth". Confira abaixo trechos em português de entrevistas de ambos e dos livros:
JOHN ROBB, músico dos anos 80, crítico e autor de “The Art of Darkness: The History of Goth” (2023) comenta em entrevista:
“Estranhamente, a brilhante combinação da Bauhaus de dub, art school rock, dark glam, psicodelia e uma dose enorme de sua própria originalidade provou ser demais para os limites surpreendentemente estreitos do que era permitido ser experimental na época e eles foram, no mínimo, editados a partir de a narrativa ou, na pior das hipóteses, menosprezados por uma mídia musical com sua própria agenda fixa sobre que música seria permitida no admirável mundo novo do pós-punk.
(…)
Ridicularizados como góticos, como se vestir-se bem e fazer músicas excelentes e totalmente originais fosse um insulto, eles tiveram que se contentar em ser uma grande influência no mundo real, em vez de serem marcadores documentais daqueles reescritores da história.(…)
Talvez os chamados escritores góticos não fossem permitidos na grande imprensa, talvez o Bauhaus não fosse muito bom em fazer amizade com jornalistas!(…) Enquanto algumas bandas nunca tenham recebido críticas negativas e sejam elogiadas por sua originalidade, apesar da cuidadosa revenda de sua minimarca repetidas vezes, o Bauhaus foi chamado de gótico e tratados com desdém.
(…) A cena gótica foi sempre menosprezada durante décadas pelos “hipsters”, mas no início dos anos 80 era o pequeno espaço em que se vivia na era pós-punk. O que a história não diz é que não existia uma cena pós-punk, não existiam gangues de garotos pós-punk rondando os centros das cidades parecendo “cool”. As pessoas que gostavam do pós-punk eram os “hipsters” de sua época. Muitos deles eram jornalistas e certamente tiveram uma grande influência na narrativa da mídia e puderam contar sua própria história, o que é bom porque houve muitos grandes momentos musicais ali, mas o que eles falharam em fazer foi reconhecer todas as outras cenas maiores que ocorreram paralelamente na época, incluindo a chamada cena gótica.
(…) Cada vila ou cidade teve um clube ou pub gótico. Era um espaço para se vestir bem e ouvir músicas excelentes e estranhas - uma música muito mais estranha e experimental do que os animais de estimação da imprensa, e também muito mais popular. O Bauhaus esteve no centro disto e a sua influência foi rapidamente massiva, com muitos grupos copiando o seu som altamente original.
Os Bauhaus foram chamados de góticos e jogados fora por uma imprensa zombeteira que tinha sua própria agenda, uma agenda que não incluía bandas obscuras e fantasiadas de Northampton com um cantor carismático, difícil e antagônico com quem as garotas queriam transar. Talvez seja essa coisa de sexo que atrapalha os favores dos críticos. Parece bastante verdade que na história do rock a imprensa tendeu a ficar do lado das bandas mais assexuadas, o tipo de bandas que só os caras gostam, e descartam as bandas que passaram para o assustador território do sexo.” John Robb. Entrevista completa em Inglês: https://louderthanwar.com/bauhaus-godfathers-of-goth-or-the-ultimate-post-punk-band-an-appreciation/
Isso fica bem claro ao lermos uma coletânea das resenhas musicais do período 1978-1982 como as publicadas no "Post Punk Diary: 1980-1982" de George Gimarc ou em uma resenha "contra o Bauhaus" como a que está no abre desta nossa matéria "CRONOLOGIA DO USO SUBCULTURAL DO TERMO "GÓTICO":
https://www.gothicstation.com.br/post-unico/2018/10/29/cronologia-do-uso-subcultural-do-termo-g%C3%B3tico
No Brasil, a imprensa musical “especializada” dos anos 1980 seguia o discurso da imprensa inglesa, e foi mais longe ainda: não se limitou a ridicularizar o termo gótico e as bandas ligadas a ele, mas o apagou completamente, criando um termo guarda-chuva usado só no Brasil na época: “Dark”, que em última análise era um saco de gatos de post-punk, new wave, no wave e o pop da época. O termo “post-punk” vai ser usado de forma semelhante no Brasil também, aumentando a confusão entre estilos musicais e subculturas alternativas.
O co-fundador do The Cure, LOL TOLHURST, e autor de “Goth: A History” (2023), também comenta:
"Tolhurst explica que a razão pela qual o The Cure, Siouxsie e seus pares resistiram longamente ao rótulo (gótico) foi porque lá trás nos anos 80, os reconhecidamente nojentos semanários musicais britânicos tentavam tirar a força do termo Gótico minimizando-o ou ridicularizando-o. Eles chamavam de “goff”, soletrado com 2 Fs. Aquilo sempre me deixou desconfiado, porque toda vez que alguém tenta te ridicularizar, é porque eles estão com medo”.
Lol Tolhurst, Siouxsie and the Banshees' Budgie on the true origins of Goth Entrevista completa em Inglês: https://www.yahoo.com/entertainment/the-cure-lol-tolhurst-siouxsie-and-the-banshees-budgie-origins-of-goth-163829711.html
"E sempre houve Bowie. Sem Bowie – sem cena. Nos clubes, estávamos livres da imprensa musical e foi incrível. A música estava fora do radar e fora do entendimento de muitos escritores de rock da época. Jornalistas musicais como Nick Kent não tinham ideia do que a garotada estava dançando. Não era apenas gótico, mas o novo pop nos clubes.
Para mim e para os meus amigos, este novo mundo dos clubes não era apenas libertar-se pessoalmente das algemas do rock clássico, mas também do punk rock, que nos tinha sido enfiado goela abaixo por uma geração mais velha."
trecho de:
Robb, John (2023-03-30T22:58:59.000). The art of darkness: The history of goth . Manchester University Press.
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