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RIP IT UP: desfazendo os mitos do post punk & new wave


Capa da edição francesa mais recente, com imagem de Siouxsie Sioux

“Rip it Up and Start Again- Postpunk 1978–1984” de Simon Reynolds desfaz uma série de injustiças musicais que tem sido divulgadas desde os anos 1970 e 80.


Anos atrás o jornalista Nigel Williamson perguntou à Siouxsie Sioux se ela concordava com a avaliação dele de que o punk foi superestimado e mitificado. Siouxsie respondeu: “Er... acho que você estava certo.” (2)


Em 1977, quando o Titanic do Punk já estava afundando em um mar de auto-caricatura, John Lydon procurou integrantes da banda alemã Can para ser seu vocalista, insatisfeito com as limitações do estilo “punk” e os projetos de marketing do produtor dos Sex Pistols. Lydon não conseguiu seu intento, mas logo depois fundou sua própria banda com influência reggae/dub, krautrock e outros experimentalismos: o PIL.


Essas histórias de Siouxsie e Lydon apenas mostram como eles foram dois exemplares entre muitos: a maioria dos nomes importantes do post-punk/new wave tiveram uma formação musical nas vanguardas musicais entre 1965 e 1975 (ou antes), como os membros do Joy Division, The Cure, Siouxsie and The Banshees, Bauhaus, Ian Astbury e muitos outros.


O livro “Rip it Up and Start Again” de Simon Reynolds, conta essa história detalhadamente, faz traz uma pesquisa e análise profunda das influências e características musicais das principais bandas do post-punk/new wave, deixando claro algo que outras obras já tinham mostrado em partes ou sob outro ângulo: que o punk teve uma importância mais simbólica do que musical.


Reinolds também desfaz alguns mitos criados na época da moda punk, mitos que depois passaram a ser reproduzidos por bandas e público. O principal mito é aquele que reza que o cenário musical nos anos 70, anterior ao punk, seria um deserto de criatividade habitado apenas por dinossauros do rock de arena. Nada mais longe da realidade, mas esse mito “pegou” nos anos 1970 e 80, e é reproduzido até hoje por muitos incautos. (0)


Partindo do experimentalismo de PIL, ao longo de uma torrente de páginas, histórias e referências, Reinolds disseca a formação e influências de Buzzcocks, Devo, The Fall, Joy Division, Père Ubu, a cena No-Wave de New York, Slits e funk do the Pop Group, Scritti Politti, Throbbing Gristle, Cabaret Voltaire, Ghost Dance, The Specials, Human League, Gary Numan, Ultravox, toda cena Gótica, Bauhaus, Siouxsie, Cure e o retorno do “rock”, e a cena neo-psicodélica (Echo and The Bunnymen, Waterboys, etc), a segunda onda industrial (Psychic TV, Neubauten, Coil, Foetus, etc), apenas para citar alguns representantes de cada cena.


AS NOVAS BATIDAS E RITMOS DOS ANOS 70

Musicalmente, o autor aponta as características do punk eram regressivas em relação aos movimentos mais criativos dos anos 70 (glam, krautrock, e derivados como synth e industrial, entre outros).

Brian Eno, (ao lado de Connny Plank do Can, Kraftwerk e outros Krautrockers, e Martin Hannet do Joy Division) um dos produtores musicais e artistas mais importante dos anos 70, comentou:


“Houve três grandes batidas nos anos 70: o afrobeat de Fela Kuti,

o funk de James Brown e a batida do Neu! De Klaus Dinger” (1).

É importante lembrar que também o funk dos anos 70 estava em ebulição, com álbuns como “Head Hunters” (1973) de Herbie Hancock sintetizando o baixo e fazendo um crossover funk/jazz/eletrônica (6). Bowie, Talking Heads, A Certain Ratio, Gang Of Four e outros (7) captaram, e ouvimos muito isso no futuro... dos anos 80.


A batida de Klaus Dinger a que Eno se refere o Motorik (ou “apache beat”), que além do Neu!, também se espalhou por outras bandas da cena Krautrock alemã, como Can, Faustus e Kraftwerk.


A batida Motorik é uma batida contínua e contida, quase um metrônomo dando uma sensação de movimento infinito. Essa batida de de Klaus Dinger foi definida pelo músico e associado da banda Can, Jono Podmore (batida chamada aqui por ele também de Dingerbeat), como sendo:


“um ritmo 4/4 com ênfase constantemente na batida, representa uma nova linha de vida. As músicas afro-americanas tradicionais baseadas na África Ocidental, como o backbeat de 'The Funky Drummer', são "estruturadas em duas barras - uma barra com ênfase na batida, a outra com a ênfase fora da batida. Isso forma uma dualidade - expire, inspire. O Dingerbeat apenas expira - uma única linha, um processo constante" (3)


Este depoimento de Stephen Morris, baterista do Joy Division, (4) comenta exatamente o fato dele gostar de um álbum característico do krautrock (Tago Mago, do Can) logo antes de começar a banda. Não é coincidência sua batida ter essa característica. Em 1978 Nick Kent da NME comparou o álbum The Scream do Siouxsie and The Banshees com algo entre Tago Mago do Can e Velvet Underground.(8) A toda essa mistura de ritmos típicos de origem afro-ocidental, podemos juntar a isso o swing do Reagge e Dub, paixão do jovem Ian Curtis (4), além Lydon e integrantes do PIL (fica claro no baixo da banda), entre muitos outros new wavers e post-punkers (0). FAZENDO JUSTIÇA


Post-Punk e New Wave continuaram uma evolução musical “impura” que vinha desde o final dos anos 60, juntando estilos black (funk, soul, reggae/dub, ska, etc) aos ritmos da eletrônica e rock.


Enquanto isso, em outra linha evolutiva, já na passagem para 1978 e 79 os entusiastas do punk buscam um “punk real”, que daria origem a novas tendências: o punk-hardcore e OI!, que se afastaram (tanto musicalmente quanto liricamente e em termos de atitude, do post-punk/new wave) e outros estilos derivados como synth, gothic, darkwave, ethereal-wave e outros. O punk sem dúvida foi um reestruturador da indústria e do jornalismo musical, e um motivador para muita gente “subir no palco fazer qualquer coisa”, porém, musicalmente e liricamente, foi mais um hiato ou uma regressão. O post punk e new wave, assim, aconteceram mais “apesar” do punk 76/77.


Isso não nega a riqueza da subcultura punk e outras derivadas desse movimento (hardcore, OI!, ou suas vertentes crossover com o metal, etc) , apenas aponta que a mitologia criada em tono do punk como fonte musical de outros diversos estilos dos anos 80 não se sustenta frente a uma análise musical e artística objetiva.

Como Steven Severin do Siouxsie and the Banshees salientou, "os Banshees teriam acontecido independentemente da explosão 'punk'" (5). Segundo Simon Reynolds e outros autores, podemos estender essa ideia a todo post-punk, new wave e estilos derivados.


Assim mudança e a revolução prometida pelo punk só se realizou em movimentos posteriores, que retomaram uma linha evolutiva anterior e muito mais variada e criativa em termos artísticos, que, vinda dos anos 60, e tendo uma fase altamente criativa entre 1967 e 1975 (Bowie, Eno, Kraftwerk, Can, Velvet, Nico, Doors, por um lado, e mais novidades do Funk, Reggae, Dub, Disco, Afrobeat, Moroder, Walter/Wendy Carlos, etc) conseguiu gerar toda criatividade e nova música do período 1978-1984 e muito do que veio depois.


“Rip it Up” de Reinolds, se lido junto a “Kraftwerk: Publikation” de David Buckley mostram muito das reais influências do post-punk, new-wave e estilos derivados, a partir de influências anteriores que a mitologia do punk afirmava ser apenas estagnação musical... nada mais distante da realidade da criatividade musical dos anos 1970. Você pode ler aqui outro artigo relacionado: Raízes da Formação da Música Gótica e Darkwave Você pode achar interessante este post com uma lista de covers realizados pelas bandas góticas/darkwave das primeiras gerações. Mais música gothic/darkwave para ouvir.

Bibliografia:

(8) "Bansheed! What's In An Image?" NME. 26 August 1978. (9) Siouxsie and the Banshees": The Authorised Biography- Mark Paytress. p 27

Capa da edição em Inglês completa

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