Se não for consensual, não tem a menor chance de ser sensual. Se não for consensual, não está nem sendo humano, logo não tem a menor chance de ser alternativo. Isso é óbvio, mas precisamos prestar atenção no que nossa sociedade machista ensinou aos homens que é “consentimento” pode estar totalmente errado. O básico: uma mulher pode ser simpática e sorridente, estar interessada na conversa de alguém, mas não estar interessada sensualmente na pessoa. Ou seja: o pressuposto de que esses comportamentos simpáticos indicam que “está no papo” ou “está tentando seduzir” não são apenas machistas, mas também são base da cultura do estupro. A mesma cultura que acha que uma mulher com um decote amplo ou uma roupa mais sexy está “pedindo” para ser abordada... e se ela sofrer violência ou assédio é porque ela “provocou”. Mas se é assim na sociedade tradicional que se considera “normal”, esses comportamentos “normais” são ainda mais inaceitáveis em ambientes alternativos ou subculturais. Aqui vamos falar especialmente do machismo em festas e outros ambientes da vida noturna. Sedução e pegação fazem parte de festas noturnas, mas se alguém acha que afirmar sua masculinidade é pegar alguém a força, ou se acha tão irresistível que se uma mulher (cis ou trans) está dizendo “não” é porque a investida ainda não foi “viril” o bastante... bem, essa pessoa está sendo, no mínimo, machista. O machista brasileiro padrão acha que pode ficar investindo verbal e fisicamente sobre uma ou várias mulheres na mesma noite e, se a mulher está tentando fugir dele, isso é apenas parte do jogo. Mas não é: isso se chama violência, coação, assédio ou, no mínimo, estragar a noite de outra pessoa. Quando alguém diz “não” (verbal ou fisicamente) a uma investida sensual isso simplesmente quer dizer... “NÃO”. Não é que a pessoa não entendeu ainda, ou que a insistência não foi suficiente. É que ela não está a fim mesmo. Lamento destruir algumas ilusões... além disso, se uma mulher está dançando ou falando com alguém, isso não quer dizer que ela “tá no papo” ou está tentando seduzir. Se ela está conversando alegremente, já pensou que ela apenas pode ser uma pessoa amigável e sociável? Se fosse um homem você pensaria a mesma coisa? Além disso, algumas pessoas são simpáticas e educadas até com desconhecidos... sim, sei que isso pode ser uma surpresa para alguns! Ou pode estar se divertindo com a música e com a dança em si, pois saiu para isso. Sim, sei que isso também pode ser uma surpresa para alguns... Não é incomum uma gótica ir a uma festa sozinha, ficar e voltar sozinha, simplesmente porque saiu para dançar e se divertir, só ou com amigos. Portanto, se uma gótica estiver dançando sozinha, não quer dizer que ela está “facinha”, como é o código tácito em certos circuitos de festas. Ela pode estar simplesmente curtindo sua música preferida... e sendo feliz. E isso não vale só para góticas... Reforçamos o foco aqui nos ambientes góticos e alternativos pois não há festas desse tipo em cada esquina, logo nelas há mais pessoas que estão lá mais pela música e estilo. Por isso pessoas com comportamentos invasivos ou abusivos estragam o ambiente dos poucos lugares alternativos que temos. Não podemos ser como os inúmeros eventos “genéricos” em que a chapação e a pegação são a atração única e principal e o ambiente, a música e estilo são secundários, terciários... ou nem mesmo importam. É claro que algumas pessoas estão também a fim de conhecer alguém, seja por uma noite ou para um relacionamento duradouro. Mas quem está a fim de alguém em uma festa indica isso de forma agradável: uma palavra ou um gesto podem bastar. Quando alguém está a fim, é muito fácil perceber. Quando não está, não significa que não houve insistência suficiente ou falta de “virilidade”. O pretendente pode exatamente ter sido muito insistente e pegajoso. Ou, simplesmente, ele pode não ter sido o escolhido. Porque as mulheres escolhem... desculpe surpreender mais alguns! E as vezes escolhem que ficar só é melhor do que mal acompanhada. Isso tudo é importante para todos os espaços sociais, mas especialmente em ambientes da subcultura gótica, que tem uma tradição e algumas características próprias na área da interação. Provavelmente existem outros ambientes em que o comportamento machista, infelizmente, vai ser bem aceito... mas não faz o menor sentido bancar o alternativo enquanto pensa e age igual à massa padronizada. Liberdade é bom para todos: respeitemos a liberdade dos outros. H. A. Kipper, 2016 (gótico desde 1990, organizador de festas góticas e DJ desde 2004, co-criador do site Gothic Station, autor do livro “Happy House in a Black Planet...” Vol 1 e VOL 2 e da série de humor gótica “Mondo Muerto”) + E, aos rapazes de todas as idades, sugiro também a leitura do texto abaixo sobre “masculinidade tóxica”, para o bem de nossa saúde (literalmente! Muitos homens desenvolvem problemas físicos e psicológicos devido ao modelo doentio de masculinidade que absorvemos): https://www.papodehomem.com.br/masculinidade-toxica-comportamentos-que-matam-os-homens Este outro artigo traz um depoimento sobre o óbvio de que se uma mulher é simpática ou sorridente ela não está automaticamente tentando seduzir você... ela pode ser uma pessoa simpática e amigável! Aqui: http://www.brasilpost.com.br/megan-bruneau-ma-rcc-/relacionamentos-interesse_b_12868722.html +