top of page

CARACTERÍSTICAS DA SUBCULTURA GÓTICA

07- CARACTERÍSTICAS DA SUBCULTURA GÓTICA:


A) O SOMBRIO E O MACABRO B) O FEMININO E O AMBÍGUO C) ABSORÇÃO DE ELEMENTOS DE ESTILOS RELACIONADOS: CRIATIVIDADE D) A TEATRALIZAÇÃO E O CORPO E) APOLOGIA À CULTURA E SAUDOSISMO Vamos aqui analisar alguns grupos centrais de características da subcultura gótica, que derivam das características da literatura gótica (veja as características da literatura gótica aqui) e do significado de gótico na cultura ocidental nos últimos 250 anos. Introdução "É preciso enfatizar que os indivíduos montavam seu próprio estilo selecionando dentre os elementos que eu descrevo e que, como conseqüência, poucos, senão nenhum, adotavam todos eles. O valor destas categorias é que elas permitem a demonstração da consistência estilística geral da cena Gótica, sem deixar de lado os elementos de diversidade e dinamismo." (Hodkinson, 2002)Como toda subcultura (e cultura) moderna, a subcultura Gótica "roubou" quase todos seus artefatos e símbolos de outros sistemas estéticos e simbólicos, montando um novo sistema seu, no qual estes elementos reapropriados são resignificados. Portanto, buscar o "significado do Gótico" analisando em detalhe seus elementos isoladamente pode, às vezes, mais nos confundir do que esclarecer. Isso pode acontecer porque somente em relação ao sistema de representações da subcultura Gótica é que estes elementos produzem o sentido desta. É preciso observar o sistema como um todo para entender os elementos e, então, se pode perceber por que algumas características destes elementos são ressaltadas na subcultura Gótica, e outras não.Também seria muito extenso listar e analisar ícone por ícone, tótem por tótem, tabu por tabu. Em vez disso, vamos aqui desenvolver a descrição feita na pesquisa sobre a subcultura Gótica Inglesa realizada pelo cientista social Paul Hodkinson.Hodkinson dividiu didaticamente as características principais em três grandes grupos: (a)o obscuro e o macabro, (b)o feminino e o ambíguo e (c)elementos de outras subculturas. Depois faz comparações ao longo dos 20 anos de história da subcultura Gótica até o final da sua pesquisa (aproximadamente 1980-2000).Aqui acrescentaremos mais dois grupos de características que são baseados na pesquisa sobre a cena Francesa realizada pelo cientista social Antoine Durafour: (d)a teatralização e o corpo e (e) apologia a cultura e saudosismo.Observando características da subcultura Gótica no Brasil, notamos que os processos são similares, apenas com uma média de alguns anos de atraso. Comparativamente a relatos de outros autores que fizeram descrições recentes sobre a subcultura Gótica e Darkwave em outros países, chegamos a mesma conclusão, apesar das peculiaridades de tendência e nomeclatura de cada cena local.


A) O SOMBRIO E O MACABRO Nem tudo que é obscuro e/ou macabro se insere no repertório e sensibilidade da subcultura Gótica mas, em relação com os demais elementos subculturais, o obscuro e o macabro são elementos essencias nesta subcultura. Todavia a forma como Góticos e Darkwavers abordam o obscuro e o macabro obviamente difere da forma como outras subculturas e o mainstream desenvolvem estes temas.

Observando os Góticos desde a década de 80 até 2007, percebemos, apesar das atualizações de visual e repertório, e variações de ênfase, que alguns elementos estéticos permanecem quase imutáveis: a preferência por uma estética roubada de filmes ou peças expressionistas, misturada a elementos circenses, de cabaret, vitorianos, glam e de filmes noir, sejam, policiais ou ficção científica. Temos também a recorrência de faces maquiadas de forma semelhante ao cinema expressionista ou teatro butoh, com faces esbranquiçadas e traços de preto alongados ao longo dos olhos. Costumamos ter uma attitude "camp" (ou "teatral auto-irônica") condizente com esta estética.

Na área da música, percebemos na subcultura Gótica uma variedade de estilos musicais que raras vezes encontramos em outras subculturas (geralmente organizadas em torno de um estilo musical e suas variações, das quais deriva seu nome, como o metal, o hip-hop, etc). No caso do Gótico o que unifica esta variedade é o uso de recursos que buscam causar efeitos normalmente adjetivados como "escura", "profunda" e "sombria", mesmo que os estilos musicais mais comuns na subcultura Gótica sejam dançantes ou agitados, como o Rock, o Synth-Pop, a Darkwave, Eletro, "Indie", etc.

Os vocais masculinos tendem a ter voz profunda e grave, ou entrecortada e sussurante. Os vocais femininos variam de fortes e mais agressivos (como no pos-punk) a etéricos ou sussurantes (como na Darkwave e ethereal). Se no começo dos anos 80 tínhamos o som Gótico mais baseado em guitarras, ao longo dos anos 90 se popularizam as tendências eletrônicas ligadas aos estilos genericamente chamados de "Darkwave" (um termo que tem várias interpretações). O fato é que hoje temos uma grande variedade de estilos musicais relacionados coerentemente ao Gótico. Mesmo bandas com sonoridade mais "dance" mantiveram algum tipo de tema obscuro, vocais profundos, letras sombrias e metafóricas e "poderosos acordes atmosféricos".

A forma como nos vestimos também é uma forma de discurso e comunicação públicos. Historicamente, a base do vestuário Gótico é preta, aceitando algumas cores como sobreposição. Quais cores e a quantidade delas é uma tendência interna que varia ao longo das décadas dentro da própria subcultura Gótica e em cada cena local. Por exemplo, no começo dos anos 80 temos uma variedade de cores devido à ainda recente força da estética New-Romantic e New Wave. Na passagem dos anos 80 para os 90 temos um predomínio do preto, e, no final dos anos 90, temos a volta de algumas cores antes até proibidas, como o verde limão e o rosa, usados em detalhes sobre o preto (devido a influência cyber goth, mas as tendências ligadas aos estilos batcave e deathrock também voltaram com força na sua sobreposição infernal de texturas, cores e materiais rasgados).

Claro que estes elementos decorativos são usados em conjunto com outros elementos historicamente usados e claramente "obscuros e sinistros", como forma de manter a identificação subcultural.

Se no começo dos anos 80 a herança punk e new-romantic já legara aos góticos alguns cabides com roupas de estilo vitoriano e seus babados, a moda cinematográfica dos anos 90 focada no imaginário de horror gótico vitoriano exacerbou esta característica, se tornando uma tendência forte a partir desta época. Se antes a temática vampírica já estava presente na estética da subcultura Gótica como um dos diversos cabides de seu armário, a exacerbação destes elementos levou a uma reação dentro da própria subcultura, contra o exagero no uso destes elementos, rejeitando quem levava tal temática muito a sério.

Se na música e na roupa as manifestações do sombrio e do macabro são "claras" (sic), também no comportamento os Góticos tendem a ser bastante específicos na sua abordagem. Excessivo amuo ou declarações exageradas de "depressão" passaram a ser vistas de forma negativa por boa parte dos Góticos, como algo que seria uma invasão de comportamentos vindos da forma caricatural e preconceituosa como a sociedade vê os Góticos. A seriedade passou a ser vista como algo negativo dentro da subcultura Gótica, historicamente ligada ao humo-negro e atitude camp/ teatral, apesar da efetiva tragicidade lírica de muitas bandas.

Como qualquer outra subcultura ou a própria cultura dominante, também a subcultura Gótica possui uma linguagem comportamental e gestual específica. B) O FEMININO E O AMBÍGUO "Para esta ética de estética, eles (nt: Góticos) se distanciam de todo imaginário brutal que poderíamos encontrar entre certos grupos de metal extremo. No seio do meio Gótico, valoriza-se mais a feminilidade, a androginia e o espírito dandy." (Durafour) Inicialmente é preciso advertir que aqui nos referimos ao "feminino" como manifestações comportamentais, e não como gênero biológico ou opção sexual. E isso só pode ser compreendido se considerarmos que a divisão das características humanas em papéis "femininos" e "masculinos" é, em grande parte, construída histórica e ideologicamente."Embora sem a paródia, ou sem fins políticos explícitos, o meio-ambiente padrão característico da cena Gótica afrouxou consistentemente os elos entre as facetas estilísticas dos gêneros e as categorias sexuais fixas de homem e mulher. Mais especificamente, sem realmente considerar estas categorias insignificantes, o gótico, desde o seu começo, se caracterizou pela predominância, tanto nos homens quanto nas mulheres, de tipos de estilos específicos que seriam normalmente associados com feminilidade."(Hodkinson, 2002).


Se observarmos a estética, temas líricos e atitudes góticas desde os anos 80, é difícil não perceber que esta subcultura teve um papel de consolidação e ruptura na "segunda fase da revolução sexual" do século XX. Se nos anos 60 as mulheres saíram as ruas lutando por ter direito a comportamentos considerados historicamente "dos homens", na passagem dos anos 70 para os 80 temos o começo de um movimento masculino pela reintegração de partes do comportamento humano que eram tabus para os homens dos séculos anteriores por serem considerados "femininos".Obviamente a subcultura Gótica não é militante neste sentido, mas ela surge e se desenvolve neste contexto. Especialmente no Brasil do final dos anos 80, um país conservador e predominantemente católico saindo de uma ditadura militar de direita. Lembremos que uma "cena" GLS autônoma só vai se estruturar abertamente no Brasil nos anos 90.Desde os anos 80, estilos específicos de maquiagem, que tem sido lugar-comum desde os tempos da banda Bauhaus (1979-1983), permaneceram populares tanto para os homens quanto para as mulheres durante o final dos anos 1990 e ainda hoje em pleno século XXI.


A quantidade de jóias prateadas espalhadas pelo corpo e roupas também permanece, tendo apenas aumentado em quantidade e variedade durante os anos 90, especialmente com a popularização dos piercings. Mas isso é um sintoma do aumento da tolerância dos costumes: se nos anos 80 bastavam dois brincos para um rapaz sofrer preconceito na rua e ser olhado com estranheza, ao longo dos anos 90 os brincos masculinos deixaram de ser sinônimo de homossexualidade e/ou ligações ilegais. Assim, Góticos e alternativos passaram a se esbaldar na quantidade de brincos, piercings e cores de cabelo, especialmente nas zonas urbanas e metrópoles, historicamente centros que irradiam mudanças de comportamento.Dentro desse contexto, se nos anos 80 o elemento de feminilidade era expresso de forma relativamente mais "discreta" no seio da subcultura Gótica, ao longo dos anos 90 ele passou a ser expresso sem nenhum pudor. Se antes o uso de meias arrastão por todo o corpo era restrito às bandas e aos mais ousados, nos anos 90 e até hoje se tornaram um lugar comum para ambos os sexos, assim como proliferou o uso de saias longas ou curtas para os homens, juntamente com o fetiche por adereços Sado-Masoquistas.


No Brasil, é facil compreender essas mudanças também no contexto das ruas: entre 1988-1992 (ou até o final dos anos 90 em alguns casos) Góticos saiam de casa "disfarçados de normal", deixando para fazer sua maquiagem e vestir roupas mais ousadas apenas nos banheiros ou calçadas de seus clubes, pelo simples motivo de que era muito perigoso usar um visual fora dos padrões nas ruas naquelas épocas. Era comum o preconceito, ameaças ou agressões de fato, provindas tanto de populares como de outros grupos subculturais que tem a homofobia e comportamentos rígidos em sua cartilha de comportamentos. Hoje isso ainda acontece, mas com menor freqüência."Em um movimento que remonta a algumas das influências punks originais, aspectos da cena fetichista dos anos 1990, e, indubitavelmente, a indústria do sexo, se tornaram largamente populares. Era cada vez mais fácil ver Góticos de ambos os sexos vestindo calças, camisas, saias, corsets, tops e coleiras de borracha ou PVC preto e, às vezes, colorido (...) Importantíssimo, no contexto da cena Gótica, do mais simples ao mais radical exemplo destas vestimentas foram sempre valorados mais em termos de suas qualidades estéticas subculturais do que por suas conotações sexuais."(Hodkinson, 2002).


Desde os anos 80 até hoje os tipos físicos mais "desejados" no seio da subcultura Gótica tendem a borrar os limites do "masculino" e "feminino", principalmente no visual masculino. Historicamente, rostos e corpos finos, esguios ou alongados são um dos tipos valorizados tanto para homens quanto para mulheres. Já no estilo de corpo mais "cheio" a capacidade de apresentar um vasto decote de seios abundantes (mesmo que impulsionados por corsets ultra apertados…) é valorizado entre as mulheres. Entre os homens, Robert Smith e Frank The Baptist são bos exemplos de "gordinhos fofos" que representam outro padrão estético comum.Um homem considerado "efeminado" pelo padrão estético da cultura dominante ou mesmo em outras subculturas, provavelmente teria vantagens na cena Gótica. Mas se no passado a cena Gótica teria sido sua única opção de esconderijo, desde os anos 90 existem algumas outras cenas além da Gótica onde os andróginos podem se sentir confortáveis, notadamente a cena chamada no Brasil de "Indie", entre outras."… ser "um pouco emotivo as vezes", em adição a sua aparência esguia, indica claramente que a demonstração pelos homens de certas características comportamentais e atitudes associadas com a feminilidade era também mais comum na cena Gótica do que na maioria dos elementos da sociedade fora dela. Isso certamente se reflete fortemente em alguns exemplos da música gótica, nos quais os estereótipos de temas emocionais, auto-indulgentes e angustiados- todos os quais tendem a ser mais associados com a feminilidade do que com a masculinidade- são uma generalização, mas não de toda imprecisa." (Hodkinson, 2002)


Esta aceitação de que homens tenham comportamentos e expressem emoções historiamente consideradas femininas não significa que exista um padrão de homossexualidade na cena. A grande questão é que existe uma dissociação entre o "papel social/comportamental" e a opção sexual. Isso quer dizer que um homem pode ser "feminino" e heterossexual. Esta tolerância comportamental levou a que várias coisas deixassem de ser tabu na cena Gótica, como o contato físico fraternal entre pessoas do mesmo sexo, algo ainda problemático em outros grupos culturais.Ao mesmo tempo, a cena Gótica se manteve como um ambiente seguro e hospitaleiro para comportamentos homossexuais e bissexuais, até mesmo valorizando tais coportamentos no nível simbólico. Podemos levantar a hipótese de que se tenha desenvolvido entre Góticos um tipo subcultural de feminilidade, adotada por ambos os sexos.


Mas esta é uma questão complexa demais para ser desenvolvida aqui, onde buscamos delinear traços comportamentais gerais da subcultura Gótica.O fato é que a subcultura Gótica tolera uma grande variedade de comportamentos, visuais e estéticas. Aqui estamos descrevendo apenas os padrões mais estáveis nos últimos 25 anos, aproximadamente.Toda essa observação nos leva a ponderar que a subcultura Gótica tende mais para a Feminilidade do que para a Androginia, visto que hoje é comum vermos tanto homens como mulheres com visuais femininos, mas é bem menos comum verificar mulheres com visual masculinizado (algo mais comum em outras subculturas, como a Indie, Punk, etc).


C) ABSORÇÃO DE ELEMENTOS DE ESTILOS RELACIONADOS: CRIATIVIDADE


Primeiro é preciso salientar que a criatividade, e um certo nível de "contravenção" em relação ao que é considerado o "visual padrão" de certa época na cena Gótica, é algo geralmente visto como positivo. A herança de princípios do "faça você mesmo" ainda perdura, apesar da proliferação atual de grifes especializadas na estética Gótica. A "colagem" com elementos estéticos de outras subculturas relacionadas indica exatamente uma forte consciência dos padrões estéticos de cada uma dessas subculturas, pois estes elementos de "outras" subculturas são usados freqüentemente como "detalhes" sobre uma base mais "consistentemente gótica". Muitas vezes como um comentário visual característico do senso de humor auto-irônico comum na cena Gótica.


Segundo, é importante esclarecer o que significa "estilos relacionados". Geralmente são absorvidos pelos góticos alguns elementos de grupos considerados "alternativos". Alternativo se tornou nos últimos anos um termo guarda-chuva que genericamente se define por oposição a "mainstream" (moda dominante).Isso vale tanto para o visual quanto para a música ou outros elementos. Se na fase pos-punk dos anos 80 já podíamos perceber elementos fetichistas, esta tendência estética cresceu dentro da cena Gótica/Darkwave ao longo dos anos 90 até hoje, com Sex-Shops e lojas de roupas Sado-Masoquistas se tornando mais um destino de "shopping" subcultural.Outro destino de "shopping" são os brechós, lojas de roupas, sapatos e utensílios usados ou antigos que oferecem uma enorme variedade de elementos para composição, tanto de um estilo Gótico clássico, como de um composto de elementos "relacionados".


No Brasil, especialmente em S.Paulo, desde os anos 80 tivemos a cena Gótica convivendo com diversas outras cenas, logo, absorvendo elementos considerados aceitáveis destas. Começando pelos Darks, com sua mistura de elementos punk, new wave e new romantic, ainda nos anos 80 temos uma convivência do Gótico com o que passou a ser chamado de Indie, Rockabillies, etc. O caso do Indie é curioso pois Góticos paulistas compartilharam clubes com Indies pelo menos de 1988 a 1997, sendo que, porém, mais no final deste período, os dois grupos se diferenciam no visual e nas bandas preferidas, principalmente ao sucesso comercial do chamado "brit-pop" (aprox. 1994/95).


Passados mais de dez anos, em 2007 um revival de estética 80's e "goth" no mainstream leva as duas cenas a ter algumas tendências em comum novamente. Mas a tendência mais forte no final dos anos 90 é a incorporação de alguns elementos de música eletrônica mais popular como trance, tecno e electro, revitalizando tendências da Darkwave, Darkeletro e EBM. Isso levou a tendências estéticas complementares, com a estetica "cyber" e elementos visuais absorvidos das cenas "rave" ou dance-club: tops, vestidos e calças apresentando desenhos brilhantes ou sensíveis a raios ultra-violeta, cabelos coloridos ou com apliques em cores vivas como pink, laranja, verde, azul.


"Os últimos anos do século XX assistiram ao advento do cibergótico. A música industrial deu ânimo masculino à feminilidade espiritual da subcultura Gótica, de forma que o casamento arranjado entre o gótico e o metal nunca foi consumado. "Eu vejo o industrial e o gótico como dois lados da mesma moeda- o yin e o yang- o masculino e o feminino, escreve Alicia Porter em sua pesquisa "Study of Gothic Subculture", divulgada pela Internet. " O gótico expressa o emocional, a beleza, o sobrenatural, o feminino, o poético, o teatral; e o industrial incorpora o masculino, a raiva, a agressividade, o barulhento, o científico, o tecnológico, o político. (...)" ("Goth Chic", de Gavin Baddeley, pag 281, trad. de Amanda Orlando).


Sobre essa mistura de estilos, Hodkinson comenta:"apesar de consistir de numerosos elementos agrupados de diferentes fontes e em diferenetes estágios, existia um estilo gótico diferenciado bem discernível, o qual se manifestava consistentemente de um indivíduo para o outro, de um lugar para o outro e de um ano para o seguinte."Na passagem para o século XXI, além do revival pos-punk no mainstream, se popularizam bandas e os estilos oriundos do Japão conhecidos como Gothic-Lolita e Visual K. Elementos soltos desta tendência acabam por ser usados por Góticos de todo o mundo.


Como uma certa reação aos estilos "ultra-dance" da virada do século, temos acompanhado também um movimento de resgate de "visuais tradicionais" e "bandas acústicas" com a valorização de visuais extremos e bricolados, ligados a tendências próximas ao DeathRock, Cyber-Goth e Gothic-Lolita. Ao lado destas temos as tendências mais tradicionais, gerando misturas de visuais e sonoridades bastante criativas neste final da primeira década do século XXI. D) A TEATRALIZAÇÃO E O CORPO


"Devemos ou ser uma obra de arte, ou vestir uma obra de arte"("One should either be a work of art, or wear a work of art")Oscar Wilde, circa 1900"No seio do movimento (1) gótico, o visual, a dança, as atitudes e as posturas formam uma linguagem estética codificada que concorda com uma nova percepção da corporeidade (conjunto dos traços concretos do corpo como ser social): perceber os corpos como "obra de arte" é reconsiderar seu valor em um mundo onde nossos corpos não nos pertencem mais verdadeiramente." (Durafour, 2005)No meio Gótico, temos uma teatralização do ambiente e dos comportamentos, e a trasformação de nós mesmos e de nosso corpo:Uma "visão de si mesmo em uma sociedade percebida como desencantada, um culto da evasão e de irracionalidade permitindo, paradoxalmente, se reencontrar a si mesmo pela reapropriação do corpo, …(…graças a uma certa ética da estética.)" (Durafour, 2005). Todo grupo social tem seus códigos comportamentais. Os códigos da subcultura Gótica são de um tipo específico, coerente com outros aspectos de seu sistema.


O tipo de teatralização ou "exagero" no comportamento típico da interação entre góticos em seu ambiente faz com que o indivíduo se reaproprie de seu corpo, fazendo dele um certo discurso.Podemos perceber essa teatralização e uso discursivo do corpo e do visual como semelhante aos outros elementos simbólicos da subcultura Gótica.Esse discurso é facilmente perceptível pelos outros góticos ou por pessoas que vivenciaram ambientes góticos. Sua falta também serve para que os Góticos percebam "outsiders" em seu ambiente, ou se comuniquem na presença de "estrangeiros culturais", ou fora de ambientes que aceitem Góticos. Ou simplesmente se reconheçam nas ruas, às vezes por um detalhe sutil.Assim, a expressão corporal se torna um produto social e cultural.Mas quais as características desta teatralização na subcultura Gótica? Outros grupos sociais também teatralizam, mas com significados e intensidades diferentes.


Observemos características da dança, da música e de relação:"A música gótica (…) joga com os registros de amargura, melancolia, obscuridade, do contraste entre doçura e violência; apta a veicular uma gama de emoções das mais diversas. Os sons inquietantes…(…) atmosfera inabitual, (…)cinematográfica, (…) música teatral, que busca sempre a expressão do belo no sofrimento, na melancolia e na morte." (Durafour, 2005)Temos assim uma trilha sonora ideal que nos lembra a letra de "She's in Parties" do Bauhaus. Estamos atuando em alguma peça ou filme sombrio e melodramático. Criamos um espaço separado do mundo, fantástico e fantásmático, que comenta o terrível mundo "lá fora". A happy house in a black planet.


Os comportamentos e coreografias mais comuns nas pistas de eventos Góticos típicos nos dão mais indícios:"O estilo de dança gótico (…) como outras características oscila entre o teatral e o dramático. Nas músicas de tempo baixo é comum o estilo "etérico" ou ondulatório, com coreografias simples mas que simulam ou buscam uma imagem de "transe" e "sublime". Algumas destas coreografias improvisadas permanecem nos tempos acelerados, que incorporam gestos rápidos e dramáticos em que a agilidade do dançarino é ressaltada, parecendo expressar uma sucessão de emoções fortes teatralizadas. Assim temos um contraste com outros estilos musicais que não possuem tipos de dança com tanta improvisação nem com tanta simbolização". (Durafour, 2005)O autor está comentando a cena Gótica francesa, mas os mesmos tipos de estilização comportamental e de dança podem ser observados entre Góticos brasileiros ou norte americanos, etc."Assim, o universo Gótico é fortemente teatralizado. Tudo é questão de representação e de manipulação estética, incluindo a expressão da violência, quando ela existe.


Neste assunto, convém separar o universo Gótico do universo Black Metal, que é musicalmente muito violento" (Durafour, 2006, La Presse) Às vezes a atitude teatral acaba causando um mal estar exatamente por funcionar como um espelho de comportamentos "escondidos" ou "dissimulados" de nossa civilização atual:"o mundo gótico torna-se horripilante a medida que (outras pessoas) perdem a profundidade psicológica. A vida em geral torna-se "teatral", uma "morte em vida", e os eus corporificados tornam-se meros atores ou caricaturas, ou em alguns casos mais severos, coisas insensatas que estão juntas, como autômatos ou cadáveres ambulantes"(2)Talvez por isso a subcultura Gótica continue após tanto tempo: ela é um espelho cada vez mais atual, ou uma resposta lúdica a um conjunto de questões de nossa sociedade que possivelmente não terão solução nas próximas décadas. Ou séculos, se não formos otimistas…


E) APOLOGIA À CULTURA E SAUDOSISMO É difícil dizer se os Góticos são um grupo social mais culto que outros, mas algo que se pode dizer com segurança é que Góticos são "cultófilos", ou seja: colocam a "cultura" como um valor importante, geralmente em oposição a um mundo considerado "materialista", que rejeitam. Mas qual "cultura" e qual "arte" é valorizada no seio da subcultura Gótica? Góticos costumam fazer uma sacralização da cultura, considerando a poesia e outras artes como um símbolo importante. A diferença não está em valorizar a "cultura", mas considerar que esta é um valor mais importante do que outras coisas "utilitárias" ou "mundanas". Na poesia, não por coincidência, escolas românticas e simbolistas costumam ter a preferência.

Também na vestimenta vemos uma grande tendência à fuga ao utilitarismo e rejeição ao pragmatismo: as peças de vestuário mais típicas dos góticos primam pelo excesso, por adereços "inúteis", seja na sobreposicão de um visual pos-punk ou no rococó de um visual neo-vitoriano. Em ambos os casos temos um afastamento do "funcional", do "prático" e do "natural". E uma busca do artifício, do artificial e do artístico. Mesmo bebendo da cultura geral, os Góticos sacralizam alguns aspectos desta como estandartes de diferenciação em relação ao "gosto popular" e "mundano". Aparentemente estes gostos dos Góticos procuram exatamente demarcar uma fronteira em relação a uma sociedade dominante em que o lírico e tudo que não é prático ficam em último lugar.

As mesmas referências culturais que são tão valorizadas no seio da subcultura Gótica podem ser encontradas no conjunto cultural "normal", mas no sistema Gótico estas obras recebem outros significados por serem consideradas relacionadas a todo um sistema de valores, comportamentos, músicas, etc. A grosso modo, podemos dizer que um poema de Allan Poe (ou outro autor importante) na subcultura Gótica não é mais um "ítem de cultura" mas, além disso, se transforma em algo como um "avatar" que remete a todos os demais elementos do sistema de símbolos da subcultura Gótica:


"O que explica essa sacralização de um tipo de obra de arte é seu caráter durável, (…) estas obras cristalizam os valores e as idéias centrais do movimento Gótico". (Durafour, 2005)


Assim, os Góticos não parecem estar interessados em "qualquer" cultura, mas em obras duráveis e/ou de significado perene. E que sirvam para referendar sua visão de mundo específica.


Complementar a essa busca pelo perene e durável, o "saudosismo" é, previsivelmente, uma outra forma de rejeição ao utilitarismo do mundo atual, que valoriza mais o novo e o descartável.


Esse saudosismo se manifesta por uma "síndrome de Paraíso Perdido", que pode ser tanto um "passado em que éramos mais humanos", um "presente decadente" ou "um futuro que vai ser apenas um passado tecnologizado". Não sabemos exatamente o que perdemos, mas deve ter sido melhor…


Qualquer uma dessas idéias coloca o conceito de "progresso", no mínimo, como questionável.


Aqui é difícil não traçar um paralelo com o aspecto "anti-positivista" do Romantismo e movimentos relacionados a este. Paralelo enriquecido por todo um repertório rico de referências herdadas de movimentos de caráter semelhante desde o final do século XIX e por todo século XX. Não é a toa que algumas das grandes fontes de referências dos Góticos desde os anos 1980 são o cinema Expressionista, autores Românticos e o Romance Gótico.


Mas "o movimento Gótico não é verdadeiramente contestatório. Ele se concentra mais em se mostrar, num jogo de papéis permanente (no qual se olha no olhar do outro)." (Durafour, 2005) Mas apesar desse aspecto saudosista, o meio Gótico é bastante "celebrativo", pois a resposta dos Góticos ao "Memento Mori" (lembra-te que morrerás) geralmente é "carpe noctem" (aproveita a noite, uma variante notívaga do tradicional conselho latino "carpe diem"- aproveita o dia).


Afinal, não existe solução para este "Black Planet" dentro do limiar de nossas existências. Mas não esquecemos do que tem sido perdido, e o celebramos na privacidade e segurança de nossas "Happy Houses".

O inferno, como diz essa nossa querida canção "é lá fora".


----------------------- Este texto é parte integrante do livro " A Happy House in a Black Planet: Introdução à Subcultura Gótica " (2008) de H. A. Kipper. Se quiser encomendar o volume impresso, você pode encontrá-lo em nossa loja online, junto com o Vol 2 e outras publicações relacionas a subcultura gótica: https://www.gothicstation.com.br/loja



bottom of page