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Motorik 1970-78: do Krautrock ao Joy Division



Aqui compilamos e traduzimos depoimentos do baterista do Joy Division (e outros artistas e escritores que escreveram sobre o Joy Divison e o post-punk) sobre a batida motorik e a influência do Krautrock em seus trabalhos. Aqui você pode ouvir uma playlist no youtube com algumas das músicas citadas. No final do texto, você pode conferir a bibliografia, pela numeração dos depoimentos.


Pergunta a Steffen Morris (baterista do Joy Division): “Como você se sente a respeito das batidas de bateria mais motorik do Neu! e Can e todo esse estilo Krautrock de tocar bateria? Steffen Morris: “Lá vamos nós, você começou com a próxima influência depois de Maureen Tucker. Jackie Lee (Jaki Liebezeit) do Neu! e Can. São realmente grandes influências para mim. Neu! é absolutamente fantástico e o Can, a primeira vez que ouvi o primeiro álbum Monster Movie e You Do Right, foi fantástico. Soava como ninguém mais. Até hoje, acho que Jackie é um dos meus bateristas favoritos de todos os tempos, e uma pessoa muito interessante também”. (11) Stephen Morris, perguntado se tinha um baterista ou batida preferida, comentou: “O mais elementar é Klaus Dinger of Neu! que fez uma carreira apenas assim”, ele bate as mãos contra as pernas em um padrão de bateria de oito. “Foi uma grande influência para mim, sem muitas firulas*. Neu! foram uma das primeiras bandas que ouvi e pensei 'eu realmente poderia fazer isso' ". (* “fills”: variações ou improvisações no compasso da batida.) (10) Steffen Morris: "Quando comecei a sair meus primeiros shows foram Hawkind e Status Quo. Eu realmente curtia muito música psicodélica. Além do Hawkind, os primeiros grupos que comecei a curtir foram Frank Zappa and the Mothers of Invention, e na semana seguinte era o Velvet Underground, e era isso. Eu gostava de colecionar grupos, e lembro que eu gostava de Alice Cooper até que todo mundo começou a gostar de Alice Cooper, então eu decidi que eu realmente não gostava tanto assim de Alice Cooper. Isso é realmente um pouco pretencioso, mas era assim que era.


Depois disso aconteceu o Glam. (...) ... tínhamos Sweet e Bowie e Roxy Music, e assim nós fomos da música psicodélica para o glam rock – de novo, até que todo mundo começou a gostar de Glam. Eu descobri o Krautrock nessa época, e o Can – eu curtia o (álbum deles) Tago Mago. Importante lembrar que estávamos formando uma banda, eu e um outro cara da escola – chamado Mac. Nós íamos formar um grupo de jazz avant-garde (de vanguarda) chamado Sunshine Valley Dance Band. Todo mundo pensava que ia ser como uma banda dance, e o Hooky pensava que ia ser jazz, mas não, íamos ser avant-garde, e as pessoas iriam nos contratar pela força do nome e nós as iríamos chocar com nossas performances terríveis. Isso nunca funcionou, mas através do irmão do Mac eu comecei a curtir Can, e depois do Can, Among Duul e Neu! I curtia punk rock antes do punk rock, que era MC5 e o primeiro álbum do Stooges, que eu comprei do Kendals in Manchester." (Steffen Morris) (9) "Ian (Curtis) tinha Atrocity Exhibition do Ballard, Naked Lunch do William Burroughs e também uma coleção de poemas do Jim Morrisson." (Stephen Morris) (9) A música do Joy Division tinha “... padrões motorik baseados em batidas e sincopados da música (Glass, Digital,Transmission, Dead Souls, These Days, Colony, 24 Hours, Passover)”. (8) Jaki Liebezeit do Can foi responsável pela reestruturação do ritmo básico do rock, influenciando inúmeras bandas, incluindo Roxy Music do começo, Talking Heads e Joy Division”. (David Stubbs) (1)(7) Peter Hook (baixista do Joy Division): “Depois que Ian morreu [em 1980], quase nenhuma música ajudava. O Kraftwerk ajudou um pouco, em parte porque costumávamos tocar o Trans-Europe Express antes dos shows do Joy Division... as pessoas dizem que elas parecem bastante germânicos, muito frios, mas eu sempre achei faixas como Computer Love muito românticas”. (6)


Bernard Sumner (guitarrista do Joy Division): Kraftwerk, Trans-Europe Express (Capitol, 1977): “Ian Curtis também fez com que eu me interessasse por isso - foi revolucionário. Tínhamos um toca-discos na sala de ensaios e as pessoas traziam coisas. Costumávamos tocar Trans-Europe Express antes de subirmos ao palco.” (5) “Ian Curtis foi inspirado por artistas como o Doors, Iggy Pop, David Bowie, Kraftwerk, Velvet Underground e Neu!. Também a "Trilogia de Berlim" de Bowie, desenvolvida com Brian Eno, influenciou o Joy Division; aquela "austeridade fria" dos sintetizadores nos lados b dos álbuns de Heroes e Low, era uma "música olhando para o futuro".” (4) Bernard Sumner, guitarrista do Joy Division, relata uma das primeiras sessões de estúdio da banda em 1978, comentando a reação do músico de apoio contratado pelo pequeno estúdio: “Ele começou a repassar alguns sons do seu sintetizador e perguntou que tipo de coisa nós góstávamos. Kraftwerk e Donna Summer, nós dissemos, e os olhos dele se iluminaram” (4).

Parece estranho hoje, mas em 1977 o vanguardista da eletrônica Giorgio Moroder havia produzido “I feel Love” de Donna Summer, e de uma forma diferente de Kraftwerk, era algo completamente novo. (2)


Essa influência do Krautrock sobre o post-punk, synth e new wave foi tanto direta quanto indireta, através de outros influenciados como Bowie, Eno, Iggy Pop e Roxy Music.


Basta ouvir com atenção a parte rítimica de bandas como Joy Division, PIL e tantas outras do post-punk/new wave para perceber a influência das batidas típicas das bandas alemãs do começo dos anos 1970, que chamamos de Krautrock. A batida típica dessas composições é chamada de “Motorik” ou “Apache beat” (batida Apache) e é usada tanto com bateria acústica quanto em composições “eletrônicas”. (2)

A batida Motorik é uma batida contínua e contida, quase um metrônomo dando uma sensação de movimento infinito (2). Essa batida de de Klaus Dinger foi definida pelo músico e associado da banda Can, Jono Podmore (batida chamada aqui por ele também de Dingerbeat), como sendo:


“um ritmo 4/4 com ênfase constantemente na batida, representa uma nova linha de vida. As músicas afro-americanas tradicionais baseadas na África Ocidental, como o backbeat de 'The Funky Drummer' (12), são "estruturadas em duas barras - uma barra com ênfase na batida, a outra com a ênfase fora da batida. Isso forma uma dualidade - expire, inspire. O Dingerbeat apenas expira - uma única linha, um processo constante" (3)

“Essa batida foi o tambor de guerra da modernidade, empurrando adiante o ouvinte, para o futuro. Com frequência ela é associada com as grandes redes de transporte da Alemanha, as ferrovias e autobahns. De fato, o ritmo até imita o de um carro em alta velocidade pela estrada desimpedida, ou um trem avançando pelos trilhos: veloz, compassado, uma viagem que nunca termina.” (John Doran) (2)

Como no “lado dois do primeiro álbum do Neu! continuava com o minimalismo radical. (…) … produzindo uma impressão acústica geral que seria o modelo para o pós-punk como Joy Division e Public Image Limited”. (1)

É importante lembrar que o Kraftwerk "esconde" seus primeiros 3 álbuns, lançados entre 1970 e 1973, apesar do relativo sucesso na época, marcando sua discografia como se começasse só em 1974, com o hit Autobahn. Mas é naqueles primeiros 3 álbuns que vemos mais claramente a formação em comum com outros grupos do Krautrock (2). Entre as bandas do Krautrock vemos uma grande experimentação de ritmos, motorik e batidas tribais, pesquisas étnicas e ao mesmo tempo testando limites de novas tecnologias e novos sons. Temos aí alguns dos elementos musicais e conceituais fundamentais que formam a música do final dos anos 1970 tanto nas vertentes synth quanto a que foram chamadas de post punk e new wave. A estes elementos do Krautrock se juntaram outros elementos rítmicos vindos da black music dos anos 1970 (funk e soul) e do reggae e dub, além do glam, como já comentamos um pouco na resenha de "Rip it Up and Start Again- Postpunk 1978–1984" e no artigo sobre David Bowie e raízes do Gótico e Darkwave, mas essa já é uma parte da história que fica para outros artigos (13) (14). Leia mais depoimentos de Peter Hook sobre a influência do Kraftwerk na música e estilo do Joy Division e New Order.


Uma das maiores falácias da história da música, difundida desde o final dos anos 1970, diz que o começo dos anos 70 era um deserto de criatividade e inovação musical. Pelo contrário: desde o final dos anos 60 temos uma linha contínua de inovação, efervescência de criação e cross-overs musicais, sem o qual não existiria o que chamamos hoje de “música dos anos 80(13).

(Traduções e comentários: H. A. Kipper)

Bibliografia e fontes: (1) Krautrock: German Music in the Seventies -Por Ulrich Adelt, 2016, p. 36-37. (2) Kraftwerk: Publikation - A Biografia - David Buckley, 2015 (3) The Quietus: (4) Chapter and Verse - New Order, Joy Division and Me - Bernard Sumner, 2015 (5) Spin: (6) The Guardian (Hook): (7) The Guardian (Jackie): (8) Heart And Soul: Critical Essays On Joy Division, por Martin J. Power (Editor), Eoin Devereux (Editor), Aileen Dillane, 2018, p.255 (9) This searing light, the sun and everything else: Joy Division: The Oral History- Jon Savage, 2019 (10) Entrevista para o “Bristol Live”, por Mike Norton: (11) Entrevista para Electronic Beats, 2011: (12) Funky Drummer: (13) Rip it Up and Start Again- Postpunk 1978–1984- Simon Reynolds, 2005 (14) Pos-Punk Funk:


Outros artigos relacionados que você pode achar interessantes: Covers feitos pelas primeiras Bandas Góticas/Darkwave



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